Em julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 1.025), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que é cabível, por usucapião, a aquisição de imóveis particulares desprovidos de registro no Setor Tradicional de Planaltina (Distrito Federal).
Os imóveis em discussão estão situados em loteamento que, embora consolidado há décadas, não foi autorizado nem regularizado pela administração do Distrito Federal. Com a decisão tomada pelo STJ, poderão voltar a tramitar os processos pendentes relativos ao tema que haviam sido suspensos por determinação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
A tese jurídica fixada no acórdão do TJDFT e mantida pelo STJ é a seguinte: “É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística”.
Julgamento de mérito de IRDR
O recurso especial julgado pela Segunda Seção foi interposto contra julgamento de mérito do TJDFT em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). A proposta de IRDR foi apresentada pelo juiz da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, tendo em vista a existência de centenas de ações de usucapião ajuizadas por moradores do Setor Tradicional de Planaltina. Segundo o magistrado, essas ações não estariam recebendo interpretação uniforme pela Justiça do DF.
No julgamento do IRDR, o TJDFT entendeu ser cabível a aquisição, por usucapião, de imóveis particulares situados naquela região. De acordo com o tribunal, os imóveis estão localizados em áreas particulares registradas em cartórios do DF e de Goiás, situadas praticamente no centro da região administrativa e desfrutando de estrutura urbana consolidada há anos.
Além de considerar que os imóveis da área podem ser individualizados, a corte concluiu que a admissão das ações de usucapião não impede a implementação de políticas de desenvolvimento urbano.
Indivisibilida de do registro imobiliário
Contra a tese firmada pelo TJDFT, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios apresentou recurso especial ao STJ no qual alegou que a indivisibilidade do registro imobiliário, decorrente da falta de regularização do loteamento, constitui empecilho ao reconhecimento da usucapião, pois a sentença, mesmo que favorável, não poderá ser levada a registro no cartório de imóveis.
Para o Ministério Público, a decisão do tribunal local poderia criar mais dificuldades para o já tumultuado processo de regularização fundiária do DF, onde se multiplicam os casos de loteamento irregular decorrentes de práticas criminosas.
Possibilidade de registro não condiciona propriedade
De acordo com o relator do recurso repetitivo, ministro Moura Ribeiro, a possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é indispensável para o reconhecimento do direito material de propriedade, fundado na posse ad usucapionem e no decurso do tempo.
Segundo ele, a possibilidade de registro é um atributo, um efeito da sentença declaratória de usucapião, e não uma condição para o reconhecimento do direito material de propriedade ou para o exercício do direito de ação.
Em seu voto, o ministro Moura Ribeiro apontou que a prescrição aquisitiva é forma originária de aquisição da propriedade, e a sentença judicial que a reconhece tem natureza eminentemente declaratória, mas também com carga constitutiva.
“Não há, portanto, como negar o direito à usucapião sob o pretexto de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) não se confunde com a certificação e a publicidade que emergem do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística)”, afirmou.
O ministro citou precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto (RE 422.349) e observou que a Lei 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, admitiu, em seu artigo 10, a usucapião coletiva de núcleos urbanos informais.
“A declaração da usucapião, vale dizer, é incapaz de causar prejuízo à ordem urbanística, sendo certo, da mesma forma, que o indeferimento do pedido de usucapião não é capaz, por si só, de evitar a utilização indevida da propriedade”, acrescentou.
Políticas públicas de desenvolvimento urbano
O relator destacou ainda que o reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano: “Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização”.
Ao negar provimento ao recurso especial, o magistrado destacou ser impossível extinguir prematuramente as ações de usucapião relativas aos imóveis situados no Setor Tradicional de Planaltina com fundamento no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil, em razão de uma suposta ausência de interesse de agir ou falta de condição de procedibilidade da ação.
“A usucapião está claramente vinculada à função social da propriedade, pois reconhece a prevalência da posse adequadamente exercida sobre a propriedade desprovida de utilidade social, permitindo, assim, a redistribuição de riquezas com base no interesse público”, concluiu.
Leia o acórdão
Fonte: STJ