Embora a imprensa tenha o direito de informar, isso não vale para explorar de forma indevida e sensacionalista a imagem de uma pessoa que não tem relação direta com os fatos que estão sendo noticiados.
Com esse entendimento, o ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal) mandou um canal do YouTube editar uma reportagem que transformou em personagem principal a gerente de um estabelecimento acusado de praticar abusos contra o consumidor.
No vídeo, o jornalista vai até uma revendedora para resolver o problema de um consumidor que comprou uma moto, mas não a recebeu no prazo estabelecido. O objetivo é obter o cancelamento do contrato e o ressarcimento do dinheiro pago.
No local, a gerente da loja se opôs à filmagem, discutiu com o jornalista e chamou a polícia. O vídeo foi postado no Youtube com o título “Gerente chama a polícia para jornalista e para o consumidor”, o que gerou ataques a ela nas redes sociais.
Com isso, ela ajuizou ação pedindo a exclusão do conteúdo e o pagamento de indenização por danos morais. Representam a gerente nesse processo os advogados Anthonio Araújo Jr. e Amanda Botelho, do Ablaw Advocacia.
Em primeiro grau, eles conseguiram decisão liminar para retirada do vídeo do ar. O jornalista então acionou o Supremo, alegando o descumprimento da decisão da corte na ADPF 130, que garantiu o pleno exercício da liberdade de informação jornalística.
Relator, o ministro Cristiano Zanin entendeu que, de fato, o material não poderia ser retirado do ar. Mas pontuou que a ação está calcada no direito de imagem e de intimidade da gerente, que foi filmada sem sua autorização e não se confunde com a empresa que praticou o ilícito consumerista.
Ao transformar a gerente na personagem principal da reportagem, o jornalista praticou excesso na liberdade de informar. A mera filmagem do estabelecimento seria suficiente. O ministro destaque, ainda, que não haveria problema em citar o nome da gerente.
“Não está a se tratar de pessoa que não tem uma visibilidade pública, como políticos, artistas, ou celebridades, mas uma cidadã comum que, em princípio, está em posição de pleitear a proteção à sua imagem, bem como impugnar o cerceamento a seu direito de intimidade”, disse o ministro.
“É conhecido de todos nos tempos em que vivemos que pessoas em situações como a retratada nestes autos, além de sofrer linchamento virtual, podem vir a sofrer violência real por desconhecidos na rua em nome de uma suposta justiça”, acrescentou.
A reclamação foi julgada parcialmente procedente para determinar sua edição, de forma a excluir da publicação somente o conteúdo que atinge o direito de imagem da gerente. Se isso não for possível, então o vídeo deverá ser totalmente retirado.
“Esta decisão é emblemática porque destaca que a liberdade de imprensa, embora essencial, não é um cheque em branco para a mídia agir irresponsavelmente. A imprensa tem a responsabilidade de informar com precisão, integridade e respeito pelos direitos dos indivíduos. Quando essa responsabilidade é negligenciada em favor do sensacionalismo, medidas judiciais podem ser necessárias para proteger os direitos das vítimas”, disse o advogado Anthonio Araujo Jr.
Rcl 62.010
Com informações do Conjur