A fiscalização de um serviço público com ameaças e o constrangimento de servidores ultrapassa os limites das prerrogativas do Poder Legislativo.
Com esse entendimento, a 4ª Vara Federal de Guarulhos (SP) proibiu que um vereador do município paulista porte armas de fogo durante fiscalizações em hospitais públicos da cidade. O juízo também determinou que só um assessor poderá acompanhar o legislador em atividades desse tipo.
A decisão atendeu parcialmente a um pedido de liminar feito em ação ajuizada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) contra o vereador. A autarquia também havia solicitado que fossem proibidas gravações e fiscalizações sem notificação prévia, além da exclusão de vídeos gravados e publicados pelo parlamentar sem autorização das pessoas filmadas.
Segundo os autos, o vereador foi a quatro unidades de saúde pública de Guarulhos “cercado de seguranças e utilizando colete a prova de balas” para filmar médicos e pacientes. As visitas, que estariam justificadas pelo dever de fiscalização do Legislativo, causaram tumulto nos ambientes.
O Cremesp argumentou que há abuso de autoridade por parte do vereador e que as visitas ofendem, humilham e ameaçam os profissionais de saúde. E apontou também que o réu “coloca a população contra os médicos” e “estimula um ambiente hostil e agressivo”.
Segurança x direitos
Ao analisar o pedido de liminar, a juíza federal Letícia Mendes Martins do Rêgo Barros reconheceu a existência de perigo na demora. Para ela, é preciso garantir o bom funcionamento dos hospitais e prevenir riscos aos médicos e pacientes. “A pretexto de exercer sua função fiscalizatória, (o vereador) abusa do poder que lhe foi atribuído, adentrando, inclusive, em locais reservados ao descanso médico.”
A julgadora reconhece a necessidade de fiscalização do sistema público de saúde, mas diz que isso precisa ser feito conforme a lei. “Não está amparada no texto constitucional atitude de ameaça e constrangimento a servidores públicos (sejam eles médicos, enfermeiros, ou qualquer outra especialidade), sem que haja a necessária apuração de seus atos, a fim de verificar se efetivamente incorreram em alguma ilegalidade.”
“A fiscalização de serviços públicos municipais está abrangida pelas prerrogativas do vereador, motivo pelo qual não é possível impedir que entre em hospitais públicos. No entanto, considerando a finalidade de tais visitas e a adequação dos meios empregados, entendo que eventual diligência deverá se dar sem utilização de arma de fogo, de forma a assegurar a incolumidade dos servidores públicos e dos próprios pacientes. Além disso, a medida visa evitar que o réu se utilize de tal expediente para intimidar ou constranger médicos e outros servidores”, determinou a julgadora.
Sobre o pedido de exclusão de vídeos já publicados, ela observou que os materiais têm elementos visuais de anonimização e se posicionou pelo direito à liberdade de expressão: “A determinação de exclusão de conteúdo das redes sociais do parlamentar somente pode ser adotada em situações extremas, o que não parece ser o caso dos autos. Eventuais abusos quanto ao direito de imagem de terceiros poderão eventualmente ser apurados em sede de ação de responsabilidade civil”.
De acordo com a juíza, futuras gravações deverão ser publicadas após o uso de recursos de anonimização auditivos — para evitar o reconhecimento de pessoas gravadas pela voz.
Processo 5000549-02.2025.4.03.6119
Com informações do Conjur