A exposição de um “ranking” do desempenho dos funcionários de uma empresa de varejo no grupo de whatsapp do estabelecimento foi considerada uma prática de assédio organizacional pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR). Junto ao “ranking”, o superior hierárquico escrevia frases como: “Olha quem são os vendedores que estão me derrubando hoje”. Um dos funcionários ingressou com ação trabalhista e receberá uma indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil. O caso aconteceu em Londrina. O vendedor foi admitido em janeiro de 2020 e trabalhou na empregadora até o final de 2022.
“Trata-se de conduta grave que pode ameaçar a continuidade da relação de emprego, com evidente degradação do meio ambiente de trabalho”, afirmou o relator do acórdão, desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca. A empresa também foi condenada ao pagamento das comissões descontadas no caso de vendas canceladas pelos clientes.
A 4ª Turma citou o art. 466, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que dispõe que o pagamento das comissões é exigível quando terminada a transação. “Considera-se ultimada a transação quando aceita pelo comprador nos termos em que lhe foi proposta, sendo, portanto, irrelevante ulterior inadimplemento contratual ou desistência do negócio para o recebimento da comissão sobre a venda efetuada. Esse entendimento está em consonância com o art. 2º, da CLT, que dispõe ser do empregador os riscos dos negócios por ele efetuados”. Das decisões, cabe recurso.
Testemunhas e prints de conversas de aplicativo de mensagem em grupos da loja comprovaram que o empregado foi humilhado, tendo a seu desempenho exposto para os demais vendedores por meio de um “ranking” de vendas, prática vedada expressamente pela NR-17, sublinhou a 4ª Turma. Diz o item 6.13 do Anexo II da Norma Regulamentador-17: “6.13 É vedada a utilização de métodos que causem assédio moral, medo ou constrangimento, tais como: estímulo abusivo à competição entre trabalhadores ou grupos/equipes de trabalho; (…) c) exposição pública das avaliações de desempenho dos operadores.”
No aplicativo, o gerente escrevia frases como: “Isso é uma piada, olha o nosso serviço, isso é vergonhoso”. No “ranking”, consta um ponto vermelho ao lado do nome do reclamante. De igual modo, na página seguinte, foi escrito “já vai começar o mês errado”, também com um ponto vermelho ao lado do nome do trabalhador. “Compreendo que as cobranças foram excessivas e ultrapassaram os limites do poder empregatício que, por sua vez, não é ilimitado. A exibição de ‘ranking’ de funcionários não é permitida e configura assédio”, entendeu o relator Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, ressaltando que o caso se caracteriza como assédio moral organizacional.
O desembargador explicou que a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) preocupa-se especificamente com a eliminação da violência e do assédio no trabalho. “O assédio moral organizacional relaciona-se a práticas abusivas na forma de organização da atividade econômica, com a imposição institucionalizada de métodos de exploração como metas, exposições públicas de sucesso/fracasso, estímulos à competição exacerbada, que se afastam da individualidade de cada trabalhador, criando um ambiente laboral opressivo. Caracteriza-se como conduta revestida de gravidade e, em caso de ocorrência, gera a responsabilização com base na configuração de ato ilícito e de abuso do direito (arts. 186 e 187 Código Civil)”.
Comissões devidas
A empresa também deverá pagar as comissões descontadas das vendas canceladas pelos clientes. Em sua defesa, a empregadora alegou não ser justo o pagamento de comissão sobre um produto que não foi vendido, pois incorreria em prejuízo. O relator do acórdão, porém, destacou que a decisão da 4ª Turma sobre o tema está amparada em entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Um dos acórdãos citados é de relatoria do ministro Maurício Godinho Delgado: “Esta Corte Superior, ao interpretar o referido dispositivo celetista, consolidou entendimento no sentido que a expressão ‘ultimada a transação’ diz respeito ao momento em que o negócio é efetivado e não àquele em que há o cumprimento das obrigações decorrentes desse negócio jurídico. Considera-se, desse modo, ultimada a transação quando aceita pelo comprador nos termos em que lhe foi proposta, sendo, portanto, irrelevante ulterior inadimplemento contratual ou desistência do negócio. Tal entendimento está em harmonia com o princípio justrabalhista da alteridade, que coloca, como se sabe, os riscos concernentes aos negócios efetuados em nome do empregador sob ônus deste (art. 2º, caput, CLT). Assim, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, uma vez ultimada a venda, é devida a comissão, sob pena de transferir para o empregado os riscos da atividade econômica”.
Com informações do TRT-9