Vedação absoluta de videoconferência em audiência de custódia é inconstitucional, defende PGR

Vedação absoluta de videoconferência em audiência de custódia é inconstitucional, defende PGR

O procurador-geral da República, Augusto Aras, requereu que o Supremo Tribunal Federal (STF) acate pedido apresentado em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e altere três pontos do chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019). Proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a ação questiona aspectos como o que proíbe a utilização de videoconferência em audiências de custódia e o que impede a instalação noturna de dispositivos de captação ambiental em lugares considerados “casa” para fins penais, mesmo quando determinada de forma fundamentada pelo juiz. As regras introduzidas pela lei questionada no Código de Processo Penal e na Lei 9.296/1996 contrariam jurisprudência da Suprema Corte, conforme pontuou o PGR na manifestação.

Em relação à vedação do uso do instrumento de videoconferência em audiências de custódia – prevista na parte final do art. 3º-B, § 1º, do CPP – o procurador- geral defende a declaração de inconstitucionalidade. Por lei, essas audiências devem ser realizadas em até 24 horas após a prisão, contando com a presença do juiz, de representantes do Ministério Público e da defesa do preso. Para Aras a possibilidade de utilização da videoconferência atende à urgência da situação processual e promove a prestação jurisdicional efetiva. Conforme a manifestação do PGR, a audiência de custódia é uma oportunidade para que o preso possa falar diretamente com a autoridade judicial, antes mesmo do interrogatório, ato processual que pode levar meses.

No parecer se esclarece que o objetivo não é reconhecer a videoconferência como regra para as audiências de custódia, mas impedir o engessamento da gestão administrativa e financeira do Poder Judiciário e do Ministério Público, em descompasso com os artigos 99 e 127 da CF. Além disso, Augusto Aras alega violação do princípio da proporcionalidade diante dos efeitos práticos da proibição absoluta, uma vez que o uso da tecnologia pode viabilizar o respeito ao prazo de 24h, em situações excepcionais e justificadas, quando presente uma das hipóteses do art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal. O documento cita dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segundo os quais, entre 2015 e 2021, foram realizadas 679,6 mil audiências de custódia no Brasil.

O procurador-geral recorda que a vedação absoluta de videoconferências para audiências de custódia é incompatível com o devido processo legal, conforme acentuou o ministro Nunes Marques na decisão cautelar da ADI 6.841/DF. A manifestação do MPF também destaca que a autorização legal para a utilização de videoconferência em interrogatório de pessoa presa está prevista no art. 185, § 2º, do CPP, em situações excepcionais e justificáveis, e sua constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no HC 149.083.

Captação ambiental em casa – Em relação à captação ambiental e inviolabilidade de domicílio, o parecer é pela procedência da ADI 6.919/DF apenas em relação ao trecho que trata da interpretação que impede a ponderação no caso concreto, por parte do julgador. A Lei 13.964/2019 criminalizou tanto a captação ambiental/vigilância eletrônica sem autorização judicial quanto a devassa ilegal do sigilo relacionado à medida. Também estabeleceu procedimento próprio para a captação ambiental/vigilância eletrônica, previu a possibilidade de aplicação subsidiária das regras aplicáveis à interceptação telefônica e telemática e deixou expresso que “não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores”.

O MPF explica que a consignação textual da casa como asilo inviolável não pode inviabilizar a obtenção de provas essenciais à apuração de fatos criminosos graves. Por isso, Aras opinou pela declaração de inconstitucionalidade de toda a parte final do § 2º do art. 8º-A da Lei 9.296/1996,frisando que a finalidade da captação ambiental é permitir a apuração de condutas graves em que a relativização da inviolabilidade domiciliar, da intimidade e do sigilo das comunicações é o único meio eficaz para elucidação fática, cabendo ao magistrado proceder à fundamentação que ampare a utilização de meio especial de produção de prova.

Gravação ambiental para uso da defesa  – A Conamp também questiona a expressão “em matéria de defesa” (parágrafo 4º do artigo 8º-A da Lei 9.296/1996) na redação dada pela Lei 13.964/2019, por entender que o texto viola o devido processo legal. O dispositivo em análise foi objeto de veto presidencial, posteriormente derrubado pelo Congresso Nacional. O posicionamento recebeu parecer favorável do PGR, para quem o emprego da captação ambiental, realizada por um dos interlocutores, tanto em matéria de defesa quanto com vistas à elucidação criminosa por parte da acusação, promove o interesse público e a persecução penal, desde que comprovada a justa causa e a higidez do material.

De acordo com o parecer do PGR, ao julgar o RE 583.937 QO (Tema 237 da repercussão geral), o STF decidiu pela validade da prova produzida por meio de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. Aras também cita o Recurso Extraordinário 583.937, com repercussão geral, no qual o Supremo reconheceu ser lícita a prova resultante desse tipo de gravação por entender que “quem revela conversa da qual foi partícipe, como emissor ou receptor, não intercepta, apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicação”.

Para ilustrar a importância da captação ambiental realizada por um dos interlocutores, o parecer traz exemplos de crimes que ocorrem às escondidas, como estupro, maus-tratos a idosos, violência doméstica e familiar contra a mulher. Delitos que dificilmente podem ser esclarecidos por técnicas comuns de investigação – oitiva de testemunhas oculares, gravação por câmeras de segurança, busca e apreensão. Nesse sentido, explica o PGR, invalidar gravações ambientais ou desprezá-las quando verificada integridade das provas, apenas por serem usadas pela acusação e não pela defesa, é incompatível com o princípio da igualdade, inviabiliza a paridade de armas no contexto do processo penal e tem o potencial de gerar a impunidade de ofensores cuja resposta estatal é imperiosa.

Fonte: Asscom MPF

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