Decisão da 2ª Turma Recursal do Amazonas, definida pela Juíza Sanã Nogueira Almendros de Oliveira, deu provimento a um recurso contra a Apple reformando a sentença de improcedência em um caso que envolve a venda de dispositivos móveis sem carregadores. A decisão aborda a prática de empresas fabricantes de celulares e tablets de venderem os aparelhos sem o adaptador de tomada, ação justificada sob argumentos de sustentabilidade e preservação ambiental.
De início, o autor contestou a interrupção da entrega dos carregadores junto aos dispositivos móveis, destacando que, após anos fornecendo tais acessórios, a Apple passou a vendê-los separadamente.
A justificativa da ré foi baseada em argumentos de preservação ambiental e combate às mudanças climáticas. No entanto, a decisão judicial aponta que essa medida não resultou em uma diminuição real do impacto ambiental, já que os carregadores continuam sendo fabricados e comercializados separadamente, gerando resíduos adicionais com embalagens próprias.
Inicialmente, o entendimento predominante era de que a ausência do carregador não impediria o uso do aparelho, uma vez que os cabos USB permitiriam o carregamento por outros meios. Contudo, a experiência acumulada pela Juíza Sanã Almendrios em julgamentos similares, aliada às ações e medidas administrativas adotadas por órgãos como a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e o Ministério da Justiça, levou a uma reavaliação desse entendimento, explica o acórdão de 15.07.2024.
A decisão sublinha que a tecnologia atual dos dispositivos móveis ainda exige o carregamento elétrico, tornando o carregador um item essencial. Além disso, destaca a contradição nas orientações da fabricante, que recomenda o uso de acessórios originais para evitar danos, mas ao mesmo tempo sugere a utilização de adaptadores de outras marcas, transferindo a responsabilidade pelo carregamento adequado a terceiros.
A venda separada dos carregadores, segundo a decisão, prejudica a liberdade de escolha do consumidor e configura prática abusiva de venda casada, conforme previsto no artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A Juíza Almendrios ressaltou que a conduta da ré ao vender os adaptadores como acessórios não essenciais é inconsistente com a realidade do uso dos aparelhos.
Além disso, a decisão refuta a alegação da ré sobre a preservação ambiental, apontando que a extração de recursos naturais e a produção de resíduos não foram mitigadas pela medida de venda separada dos carregadores. Assim, foi reconhecido o direito do autor e, por consequência da isonomia de tratamento, que outros consumidores tenham direito à inclusão do adaptador de tomada na compra de novos dispositivos móveis.
Com base nesses fundamentos, a Turma Recursal do Amazonas deu provimento ao recurso do autor, determinando que a venda de celulares e tablets deve incluir os carregadores, protegendo os direitos dos consumidores e combatendo práticas abusivas no mercado.
O autor recorreu porque somente obteve o reconhecimento do direito à restituição dos valores do carregador comprado separadamente. Assim, pleiteou danos morais que foram reconhecidos e fixados em R$ 5 mil. O recurso da Apple que pretendia derrubar a condenação pelos danos materiais foi improvido.
Processo: 0586955-83.2023.8.04.0001
Leia a ementa:
Classe/Assunto: Recurso Inominado Cível / Indenização por Dano Material Relator(a): Sanã Nogueira Almendros de Oliveira Comarca: Manaus Órgão julgador: 2ª Turma Recursal Data do julgamento: 15/07/2024 Data de publicação: 15/07/2024 Ementa: RECURSOS INOMINADOS. CONSUMIDOR. DANO MORAL. VENDA DE APARELHO CELULAR SEM CARREGADOR. ALEGAÇÃO DE VENDA CASADA POR DISSIMULAÇÃO OU “ÀS aVESSAS”. JUSTIFICATIVA DA CONDUTA COM BASE NA PRESERVAÇÃO AO MEIO AMBIENTE. PRODUTO CONTINUA SENDO FABRICADO E COMERCIALIZADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MELHORIA NO IMPACTO AMBIENTAL CAUSADO. DESPACHO Nº 2.343/2022 do ministério da justiça. CARREGADOR COM ENTRADA USB-C, DIFERENTE DA MAIORIA DOS PRODUTOS ELETRÔNICOS, QUE UTILIZAM ENTRADA USB. POSSIBILIDADE DE DANOS AO APARELHO PELA UTILIZAÇÃO DE CARREGADOR ‘GENÉRICO’. Venda casada. TESE N.º 74, DIREITO DO CONSUMIDOR III, FIRMADA PELO STJ. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.