TSE muda interpretação de regra antianonimato para multar por fake news

TSE muda interpretação de regra antianonimato para multar por fake news

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu, por maioria de votos, ampliar a interpretação de uma regra da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) criada para vetar manifestações anônimas na internet durante a campanha eleitoral, de modo a fazê-la alcançar também os casos em que há disseminação de fake news.

A mudança de interpretação foi consolidada na noite desta terça-feira (28/3), quando o colegiado manteve a multa de R$ 30 mil ao deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) por compartilhar vídeo com informações falsas sobre o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje presidente, às vésperas do segundo turno das eleições.

Por meio do uso de textos jornalísticos descontextualizados, Nikolas fez um vídeo anunciando que Lula desviou R$ 242,2 bilhões da saúde enquanto presidente, investimento que teria feito falta no combate à epidemia da Covid-19, a partir de 2020.

A defesa de Lula representou contra ele e conseguiu a retirada do material do ar, apontando que a cifra foi citada em reportagem da revista Veja em 2014 e se refere a dinheiro da extinta CPFM que foi desviado para outras áreas, que não a saúde. Não se tratou, portanto, de apropriação ilícita do montante.

Os advogados da campanha petista fizeram a representação pedindo a aplicação do artigo 36 da Lei das Eleições, que trata da tutela de propaganda eleitoral antecipada. O relator e presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, entendeu incabível o seu uso e decidiu enquadrar a conduta no artigo 57-D da mesma lei.

A norma foi incluída na Lei das Eleições em 2009 e garante a livre manifestação do pensamento , desde que “vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores”. O parágrafo 2º prevê que a violação do dispositivo seja punida com multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.

Ao decidir, o ministro Alexandre argumentou que, em eleições anteriores, o TSE entendeu que o artigo 57-D tem aplicação restrita aos casos de anonimato. Mas, devido ao grave contexto de propagação reiterada de desinformação, propôs uma nova interpretação para a norma.

Todo abuso deve ser multado
Na visão do presidente do TSE, a leitura do artigo 57-D da Lei das Eleições não indica que o ilícito se restringe à hipótese de anonimato. Em vez disso, tutela outros tipos de abusos no exercício do direito fundamental à livre expressão, que é garantido na Constituição Federal, mas não é absoluto.

Para o ministro, a disseminação de fake news, mesmo quando feita por pessoa identificada, tem os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das eleições da manifestação feita por usuário anônimo.

“Essa interpretação, que viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela propagação de desinformação na internet, revela-se mais consentânea com a crescente preocupação desta Justiça especializada no combate à desinformação, de modo que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática”, afirmou o ministro.

Na noite desta terça-feira, a nova interpretação foi confirmada por maioria de votos. Os ministros Ricardo Lewadowski, Cármen Lúcia e Benedito Gonçalves acompanharam o relator com considerações sobre os danos causados à democracia pelo uso de informações falsas.

O ministro Sérgio Banhos citou especificamente a nova interpretação dada ao parágrafo 57-D da Lei das Eleições. Ele afirmou que entender de modo diferente deixaria o processo eleitoral à mercê de toda sorte de desinformação e violaria o princípio que veda a proteção deficiente dos bens constitucionais.

Por fim, o ministro Carlos Horbach apontou que o artigo 57-D pode, sim, ser usado para multar por manifestações caluniosas, difamatórias ou sabidamente inverídicas feitas na internet. “Parece que o caso dos autos encontra a melhor solução nesse voto. Em especial pela descontextualização do vídeo que é apresentado mostrando uma fala sendo desvirtuada.”

Interpretação descabida
Na tribuna do TSE, a defesa de Nikolas Ferreira, feita pelo advogado e ex-ministro da casa Tarcísio Vieira de Carvalho, não se opôs à nova interpretação proposta pelo ministro Alexandre de Moraes. Mas alegou que ela não poderia ser aplicada às eleições de 2022, uma vez que representaria uma inovação.

Como não há previsão legal para estender a regra antianonimato para o caso de fake news, ele disse que o TSE estaria encurtando caminhos legislativos para criar um padrão de comportamento que os candidatos como Nikolas Ferreira não teriam como antever.

A manifestação sensibilizou apenas o ministro Raul Araújo, que abriu a divergência e ficou vencido isoladamente. Ele se opôs à interpretação extensiva do artigo 57-D por entender inviável unificar o uso do anonimato na internet e a disseminação de fake news como duas espécies de mesmo fenômeno social.

Mas, antes mesmo disso, considerou o vídeo do deputado federal legítimo e plausível. Ele afirmou que está nos limites da liberdade de expressão ao trazer aceitável narrativa politica com comentários críticos a Lula, sem qualquer descontextualização que se mostre relevante.

“A atuação da Justiça Eleitoral para restringir a propaganda e, consequentemente, a liberdade de expressão deve ser medida excepcional. A propaganda é o meio para a livre circulação de ideias, impondo intervenção minimalista sob pena do comprometimento do direito do eleitor ao acesso à informação”, disse Araújo.

RP 0601754-50.2022.6.00.0000

Com informações do Conjur

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