O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) concordou com entendimento do Ministério Público Federal (MPF) e manteve suspensos os efeitos de instrução normativa da Fundação Nacional do Índio (Funai) que coloca em risco os diretos territoriais indígenas. A medida, válida para os limites da Subseção Judiciária de Passo Fundo (RS), evita que propriedades privadas se sobreponham a áreas indígenas ainda em processo de reconhecimento ou demarcação.
Editada em abril de 2020, a Instrução Normativa nº 9/2020, da Funai (IN 09/2020), alterou os critérios para a emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL) por meio do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), gerido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O documento tem validade legal para atestar que os limites de um determinado imóvel respeitam os limites de terras indígenas. Contudo, a normativa passou a permitir que proprietários ou possuidores privados de terras emitam tal declaração ainda que o imóvel esteja em qualquer uma das seguintes condições: se sobreponha a área formalmente reivindicada por grupos indígenas; a área em estudo de identificação e delimitação; a terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela própria Funai), a terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do ministro da Justiça); e a terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados.
Desde a publicação da norma, a DRL, emitida pela Funai a partir de análise feita pelo Incra, passou a declarar apenas a sobreposição de terras indígenas homologadas, terras dominiais indígenas plenamente regularizadas e reservas indígenas, desconsiderando todas as demais hipóteses, previstas pela norma anterior (IN 03/2012), que foi revogada.
Decisão favorável em primeira instância – O MPF sustenta que a IN 09/2020 contraria o caráter originário do direito dos indígenas às suas terras e a natureza declaratória do ato de demarcação; cria indevida precedência da propriedade privada sobre as terras indígenas, em flagrante ofensa à Constituição; representa indevido retrocesso na proteção socioambiental; incentiva a grilagem de terras e os conflitos fundiários; entre outros problemas. Por isso, o órgão ajuizou ação civil pública pedindo que essas áreas fossem mantidas ou incluídas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema do Cadastro Ambiental Rural (Sicar), mesmo que o respectivo processo de demarcação não esteja concluído. Solicitou ainda, em caráter liminar, que os efeitos da referida instrução normativa fossem suspensos para evitar prejuízos aos indígenas, pedido concedido pela 2ª Vara Federal de Passo Fundo.
Contudo, o Incra, também listado como parte no processo, recorreu ao TRF4 pedindo a mudança da decisão. Alegou que o caso em questão tem conexão com ação popular ajuizada no Distrito Federal, que pede a nulidade ou a suspensão dos efeitos da IN 09/2020. Logo, as duas ações deveriam correr em conjunto.
Em suas contrarrazões, o MPF lembrou que o próprio Tribunal já havia manifestado que os casos não eram conexos, já que o pedido principal do MPF é a inclusão das terras indígenas no Sigef e no Sicar, sendo a validade da instrução normativa questão incidental.
A 4ª Turma do TRF4, por unanimidade, manteve a suspensão dos efeitos da IN 09/2020, o que garante proteção a cerca de 3,5 mil hectares de território indígena que fazem parte dos municípios que integram a Subseção Judiciária de Passo Fundo. O mérito da questão ainda será discutido pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Da decisão, cabe recurso.
Histórico e atuação coordenada – Desde a publicação da IN 092020, o MPF defende que a regulamentação ameaça os direitos territoriais dos indígenas. Ainda em abril do ano passado, 49 procuradoras e procuradores da República de 23 estados assinaram recomendação que foi encaminhada ao presidente da Funai para que para que o referido ato administrativo fosse anulado. Após negativa, já foram ajuizadas 27 ações em 14 estados brasileiros – Pará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Amazonas, Paraná, Acre, Roraima, Rondônia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina, Ceará e Minas Gerais – perante a Justiça Federal buscando o retorno dos registros das terras indígenas para os cadastros fundiários públicos. Destas, foram concedidas, pelo menos, 19 decisões liminares favoráveis ao MPF.
Portal: Ascom MPF 4ª Região