O Tribunal Regional Federal, em acórdão publicado aos 19.09.2024, reformou decisão da Seção Judiciária da Justiça Federal no Amazonas – SJAM, que condenava a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) ao pagamento de indenização por danos morais a uma jornalista que alegou ter sido vítima de sequestro e cárcere privado durante cobertura de um protesto indígena em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Foi Relatora Carina Cátia Bastos de Sena, Juíza Federal convocada pela 12ª Turma do TRF1.
No epicentro dos fatos a autora, Elane Bastos Schoenfeld, uma jornalista profissional, havia pedido reparação por danos materiais e morais contra a Funai após cobrir uma manifestação indígena em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, no ano de 2007, narrando ter sido vítima de um sequestro cometido por indígenas que participavam da manifestação, e a discussão principal girava em torno da responsabilidade civil da FUNAI pelos danos.
A autora pediu indenização que estimou em R$ 500 mil, lhe sendo reconhecido o direito a R$ 20 mil. Não conformada, recorreu contra o valor.
Em primeira instância, a condenação baseou-se no entendimento de que a FUNAI, em razão do regime tutelar previsto na Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), deveria responder pelos atos praticados pelos indígenas, configurando um caso de “responsabilidade civil complexa por fato de terceiro”. No entanto, a decisão foi reformada no TRF, que destacou a inaplicabilidade do regime tutelar após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
De acordo com o acórdão, o regime tutelar de natureza orfanológica não foi recepcionado pela atual ordem constitucional, que garante aos indígenas autodeterminação e livre arbítrio, sem ingerência direta da FUNAI sobre suas ações. O tribunal citou precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já afastou a responsabilidade objetiva da FUNAI por atos ilícitos praticados por indígenas, destacando que a fundação não detém controle sobre atitudes individuais de membros dessas comunidades.
A Corte também destacou que a autora não conseguiu demonstrar nexo de causalidade entre a omissão da FUNAI e os atos praticados pelos indígenas, essenciais para a configuração da responsabilidade civil. Não houve comprovação de que a FUNAI descumpriu qualquer dever legal que pudesse justificar o pleito indenizatório. Além disso, a jurisprudência consolidada dos tribunais regionais reitera que a FUNAI não pode ser responsabilizada por atos individuais de indígenas, salvo quando estes atos estão diretamente relacionados à defesa de direitos coletivos ou interesses assegurados em lei.
Diante da ausência de omissão ou ilícito comprovado, o TRF deu provimento à apelação da FUNAI, afastando a condenação. Consequentemente, a apelação da jornalista, que pretendia a majoração do quantum indenizatório, foi prejudicada.
Essa decisão reafirma a interpretação constitucional contemporânea sobre a autonomia dos povos indígenas e delimita as atribuições institucionais da FUNAI, especialmente no que tange à sua responsabilidade por atos individuais de indígenas.
Processo: Apelação Cível 0001984-68.2007.4.01.3602