A proibição da atividade de fretamento colaborativo, intermediada por plataformas como a Buser, cria reserva de mercado em favor de empresas já atuantes e viola o livre exercício da atividade econômica e da prestação de serviço de transporte, sem permitir maior flexibilidade de horários e rotas aos consumidores.
Com esse entendimento, o desembargador Leonardo Augusto Nunes Coutinho, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), manteve uma liminar que autorizou uma empresa de ônibus a prestar serviços de transporte coletivo interestadual e internacional no regime de fretamento colaborativo.
Contexto
A startup Buser é responsável por uma plataforma digital que conecta pessoas interessadas em uma mesma viagem na mesma data com empresas fretadoras de ônibus. A autora da ação é uma das empresas parceiras que oferecem viagens por meio da plataforma.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) havia cassado o termo de autorização de fretamento (TAF) da empresa, após flagrar inúmeras viagens em circuito aberto — ou seja, com um grupo diferente de pessoas nos trajetos de ida e volta.
O Decreto 2.521/1998 e a Resolução 4.777/2015 da ANTT determinam que as viagens por fretamento sempre ocorram com o mesmo grupo de pessoas nos trajetos de ida e volta. Essa regra é conhecida como circuito fechado.
Via judicial
A fretadora acionou a Justiça e a 9ª Vara Federal de Pernambuco suspendeu, em liminar, a decisão administrativa da ANTT. Com isso, a autora ficou livre para prestar o serviço com a intermediação da Buser.
A autarquia federal, então, recorreu ao TRF-5 e argumentou que a venda de passagens por meio da plataforma é uma forma de simular uma viagem de grupo fechado de pessoas para, na prática, cobrar passagens de consumidores com interesses distintos.
Segundo a ANTT, isso caracteriza concorrência desleal com relação às empresas que operam as linhas regulares, pois as fretadoras conseguem prestar o mesmo serviço, mas sem estarem submetidas à mesma regulamentação.
Assim, as empresas que atuam por intermédio da Buser não precisam, por exemplo, cumprir determinado itinerário ou oferecer gratuidade a idosos, pessoas com deficiência e jovens carentes. Também não se sujeitam ao mesmo regime fiscal.
No entanto, Coutinho, relator do caso no TRF-5, lembrou que o circuito fechado não é exigido das fretadoras por lei. Embora a regra esteja prevista em decreto e em resolução da ANTT, “a matéria referente à ordenação dos transportes terrestres deve ser determinada por norma legal”.
Guerra jurídica
O fretamento colaborativo no transporte rodoviário de passageiros vem sendo objeto de disputas judiciais em todo o Brasil nos últimos anos. A maioria dos casos dessa “guerra jurídica” é protagonizada pela Buser.
Estados como Ceará e Paraná, além do Distrito Federal, têm decisões contrárias à atividade da startup. Por outro lado, a empresa concentra um volume maior de decisões favoráveis em alguns dos estados mais populosos do país, como São Paulo e Rio de Janeiro.
No último mês de fevereiro, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) autorizou, em todo o país, as viagens de ônibus fretadas em circuito aberto e proibiu a ANTT de autuar e apreender ônibus de viagens interestaduais intermediadas por plataformas como a Buser.
Especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico já apontaram alternativas para encerrar a polêmica envolvendo a Buser: a revisão da regulação (pela via administrativa ou legislativa) ou a fixação de um entendimento vinculante por parte do Supremo Tribunal Federal.
Segundo a Associação Brasileira dos Fretadores Colaborativos (Abrafrec), a ANTT vem cassando licenças para fretamento de várias empresas desde o começo deste ano. “Está clara a perseguição da agência em cima de quem faz fretamento em parceria com empresas de tecnologia”, diz Marcelo Nunes, presidente da entidade.
Processo 0811667-65.2023.4.05.0000
Com informações do Conjur