Por considerar que a medida não restauraria a ordem pública, mas apenas agravaria o quadro de violência mútua, o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), impediu, em liminar concedida na última sexta-feira (12/1), a prisão de uma liderança indígena Guarani em Guaíra (PR).
A região é palco de um conflito fundiário que teve uma escalada de atos de agressão no último mês de dezembro. Um grupo de pessoas reunido nos arredores do acampamento da aldeia manteve um cerco e lançou foguetes, rojões e drones sobre o local.
Na última quarta-feira (10/1), três indígenas foram baleados por um indivíduo não identificado. Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, o ataque foi organizado por fazendeiros. Em retaliação, um homem foi agredido e feito refém pelos indígenas.
Após representação policial, a 1ª Vara Federal de Guaíra determinou a prisão preventiva de uma mulher apontada como liderança indígena da região. Segundo o juiz, a prisão estancaria “os atos violentos relacionados ao conflito possessório”.
Por meio de pedido de Habeas Corpus, o Ministério Público Federal alegou falta de indícios de que a mulher tenha orientado ou instigado atos de violência. O MPF também ressaltou que a prisão poderia aumentar a tensão no local e “fechar um importante canal de negociação entre as autoridades e a comunidade indígena”.
Reação esperada
Na decisão, Favreto lembrou que havia uma viatura descaracterizada estacionada a cem metros da ocupação. Como a zona é rural, “qualquer veículo parado no acostamento é facilmente notado”. Para ele, a estratégia policial adotada “não parece a conduta mais acertada”.
De acordo com o desembargador, “os indígenas nessa situação anseiam pela abertura de um diálogo e atenção das autoridades responsáveis”. Assim, a aproximação de uma viatura discreta dias depois do cerco “com certeza precipitou uma reação de defesa”.
Segundo o magistrado, ao que tudo indica, os eventos da última quarta-feira “foram inaugurados por atos hostis perpetrados contra os indígenas” — tiros de arma de fogo em direção ao acampamento.
Ordem ineficiente
Favreto destacou que, na ocasião do ataque ao acampamento, a mulher foi a liderança responsável por negociar a libertação do refém.
Com base na argumentação do MPF, o relator entendeu que a prisão dela “não atenuará os ânimos no local”, mas “inflamará as outras lideranças indígenas presentes no conflito, que não terão estímulos de qualquer natureza para a busca de solução consensual pacífica, ficando ainda mais relutantes para a realização de qualquer concessão”.
Ou seja, a medida prejudicaria as negociações planejadas, “eternizando-se o conflito local e multiplicando-se as vítimas entre todos os envolvidos no litígio”.
Falta de rigor
Em contraponto à identificação e responsabilização da líder indígena, o desembargador não constatou “qualquer movimentação para apuração e identificação dos agressores dos indígenas”. Segundo ele, não houve “a mesma diligência e firmeza das autoridades policiais” — o que poderia acalmar as tensões na região.
O magistrado ainda observou que a mulher não é a responsável oficial pela comunidade indígena. A representação é feita por uma “coordenação colegiada”. Assim, a punição individual “indica precipitação e falta de adequada investigação, fragilizando a decisão judicial atacada”.
Favreto concluiu que “a decretação da prisão preventiva da paciente não é oportuna, porque inócua à restauração da ordem pública e, portanto, ilegal”.
Processo 5000451-48.2024.4.04.0000
Com informações do Conjur