A transferência da titularidade de ações para execução de uma dívida, ainda que autorizada pelo juiz, depende da expedição e assinatura do auto de adjudicação. Até que isso ocorra, o devedor tem o direito de quitar as obrigações e remir a execução.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a um recurso especial para permitir que a Lusopar tenha a oportunidade manter suas ações do Banco Luso Brasileiro.
A dívida da empresa com o banco decorre do cumprimento de sentença arbitral no valor de R$ 10,5 milhões. No curso do processo, o juiz deferiu a penhora de 1,8 milhão de ações ordinárias do próprio banco, pertencentes à devedora.
O banco concordou com a avaliação do valor das ações, o que levou o juiz a homologar o cálculo e autorizar a adjudicação. Assim, a instituição financeira fez a transferência das ações para a tesouraria de maneira extrajudicial e informou a quitação do débito.
A Lusopar, então, foi ao processo para alegar que a transferência não seria possível antes de lavrado e assinado o auto de adjudicação. A argumentação foi refutada pelas instâncias ordinárias.
Cuidado legislativo
O procedimento em disputa está previsto no artigo 861 do Código de Processo Civil, que fixa as regras para a penhora de ações. A preocupação do legislador foi permitir que isso ocorra sem ameaçar a existência da sociedade em questão.
Tanto é assim que o parágrafo 1º diz que, para evitar a liquidação das ações, a sociedade poderá adquiri-las sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria.
Essa foi a opção usada pelo Banco Luso Brasileiro, considerando que se trata de uma sociedade anônima de capital fechado — que não tem suas ações listadas e negociadas em bolsa de valores.
Ainda há tempo
Relator da matéria na 3ª Turma, o ministro Moura Ribeiro observou que a adjudicação de bens — o ato judicial que dá a alguém a posse sobre algo — só se torna acabada com a lavratura e a assinatura do auto de adjudicação pelo juiz.
Essa interpretação surge dos artigos 862 e 877, parágrafo 1º, do CPC. Até a lavratura e a assinatura do auto, os bens constritos não podem ser considerados adjudicados. Portanto, continua aberta a possibilidade de remissão da execução.
Assim, não há como impedir que a Lusopar quite o débito e permaneça com as ações. “O BLB não poderia ter-se antecipado e providenciado a transferência das ações”, disse o relator.
“Logo, se remir a execução significa, essencialmente, pagar a dívida, negar esse direito enquanto ainda se faz possível implica violência a direito assegurado ao devedor”, complementou ele.
A conclusão na 3ª Turma foi unânime. Em voto-vista, a ministra Nancy Andrighi acrescentou que, antes da lavratura e assinatura do auto de adjudicação, é conferido ao devedor o direito de, a todo tempo, remir a execução.
“Considerando que o pedido de remissão pelo executado foi realizado antes da emissão do auto de adjudicação e que houve o depósito de quantia a fim de saldar a dívida, demonstrando seu compromisso com a remissão, mostra-se necessário o retorno dos autos a fim de que o juízo do primeiro grau aprecie tal pedido.”
Com isso, o caso volta ao juízo de primeira instância para que aprecie o pedido de remição, deliberando inclusive sobre a suficiência do valor depositado em juízo.
REsp 2.141.421
Com informações do Conjur