A Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) reconheceu o vínculo de emprego de uma trabalhadora de cruzeiro marítimo e declarou a responsabilidade solidária de três empresas, condenando-as a proceder a anotação na CTPS e ao pagamento das verbas trabalhistas.
A trabalhadora diz na ação que foi contratada no Brasil, por intermédio de agência de recrutamento brasileira, para trabalhar em cruzeiro marítimo, que navegava em águas internacionais e nacionais, na função de “Snack Attendent casual dinning”, traduzindo, “Assistente de Jantar – Garçom”. A prestação de serviços ocorreu de novembro de 2011 a fevereiro de 2022, com quatro embarques diferentes.
Quem teria competência para julgar?
As empresas, em contestação, alegaram a incompetência da Justiça do Trabalho, defendendo que a aplicação da legislação brasileira iria afrontar os princípios da isonomia e da não discriminação, ao diferenciar brasileiros e estrangeiros que prestam serviços no mesmo navio.
Afirmaram que apenas a seleção e o recrutamento foram realizados no Brasil, por meio virtual. A contratação foi feita no embarque, no RH do navio, o que ocorreu nos EUA. E o trabalho, realizado somente em águas internacionais.
A sentença do juiz Jailson Duarte, da 1ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim, reconheceu a competência da Justiça do Trabalho, em razão do fato de que as tratativas iniciais de contratação ocorreram no Brasil.
As empresas recorreram.
Qual a legislação aplicável?
Outra questão controvertida no processo refere-se a qual seria a legislação aplicável ao contrato individual de trabalho, cujo objeto é a prestação de serviços em navios estrangeiros.
Apesar de não negar a validade das normas de Direito Internacional, a relatora do acórdão, desembargadora Ana Paula Tauceda Branco, aplicou ao caso a Teoria do Centro da Gravidade, segundo a qual as normas internacionais deixam de ser aplicadas quando, observadas as circunstâncias do caso, for verificada que a relação de trabalho apresenta uma ligação substancialmente mais forte com outro ordenamento jurídico. Tauceda também citou o princípio da norma mais favorável, também largamente utilizado no Direito Internacional Privado.
“O que se busca com isso é impedir que normas trabalhistas internacionais menos substanciosas se apliquem a esses trabalhadores precarizando suas condições de trabalho, tendo-se em conta a prática internacionalmente conhecida como ‘bandeira de conveniência’ ou ‘bandeira de favor’, por meio da qual a empresa escolhe a bandeira de sua embarcação de forma estratégica, a partir da legislação a ela mais benéfica, de forma a reduzir os custos de sua operação em detrimento dos direitos trabalhistas de seus empregados”, afirmou a relatora.
As provas incluídas nos autos indicam que, além do processo seletivo, todos os procedimentos relativos à contratação foram realizados no Brasil, e que, apesar do embarque no navio ter ocorrido em país estrangeiro (no caso, em Miami, nos EUA), o contrato já havia sido formalizado antes do embarque.
“Por todo o exposto, concluo aplicável ao contrato individual de trabalho da autora a legislação brasileira”, resumiu a relatora.
Contrato por prazo determinado ou indeterminado?
A assistente alega que prestou serviços para as empresas de novembro de 2019 a fevereiro de 2022, realizando quatro embarques, em datas diferentes. Afirma que não houve registro na CTPS e tampouco pagamento de verbas salariais e resilitórias decorrentes do vínculo de emprego e da resilição contratual.
Segundo as empresas, tratava-se de contratos por prazo determinado, conforme autorizado pelo art. 443 da CLT, diante da natureza da atividade de cruzeiros.
No entanto, a relatora concluiu que as sucessivas contratações por prazo determinado configuram fraude à legislação trabalhista, e reconheceu a existência de um único contrato, por prazo indeterminado. A relatora também deu parcial provimento ao recurso da trabalhadora para deferir o pagamento de horas extras, considerando os registros de ponto anexados aos autos.
“São devidas, portanto, as horas extras trabalhadas acima da 8ª hora diária, bem como são devidas como extras todas as horas trabalhadas aos domingos e feriados, todas essas apuradas com o adicional de 50%”, registrou a magistrada.
Acórdão
Em sessão ordinária de julgamento realizada no dia 9 de outubro, sob a presidência do desembargador Valério Soares Heringer, com a participação das desembargadoras Ana Paula Tauceda Branco e Sônia das Dores Dionísio Mendes, a 3ª Turma do TRT-17, por unanimidade, acatou o voto da relatora e determinou que, ao contrato individual de trabalho da assistente de cruzeiro, seja aplicada a legislação brasileira.
A trabalhadora teve reconhecido o vínculo de emprego, na função de “atendente de jantar”, e as empresas foram condenadas a proceder a anotação da CTPS no prazo de oito dias e providenciar o pagamento de aviso prévio indenizado, férias + 1/3, 13º salário, FGTS e multa, além de horas extras e verbas resilitórias.
Ainda cabe recurso.
Com informações do TRT-17