Em sessão ordinária de julgamento, realizada em 4 de setembro, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) decidiu, por maioria, negar provimento ao pedido de uniformização, nos termos do voto da relatora, juíza federal Lilian Oliveira da Costa Tourinho, julgando-o como representativo de controvérsia e fixando a seguinte tese:
“Enquadra-se como salário-maternidade a remuneração paga às trabalhadoras gestantes afastadas por força da Lei 14.151/2021, quando comprovada a incompatibilidade com o trabalho à distância e for inviável a alteração de suas funções”– Tema 335.
A decisão da TNU responde a um pedido de uniformização interposto pela União contra dois acórdãos divergentes. O primeiro, da 8ª Turma Recursal de São Paulo (SP), em que se assentou que o salário-maternidade deve ser pago às seguradas gestantes afastadas das atividades presenciais durante a pandemia, mesmo na impossibilidade de trabalho remoto. O acórdão estabeleceu que a União Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) devem arcar com o custo desse benefício, com base na Lei n. 14.151/2021.
Por outro lado, a 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Goiás (GO) decidiu que a referida lei não amplia o salário-maternidade além dos 120 dias previstos nem prevê a responsabilidade da União pelo pagamento desse benefício.
Voto
A relatora do processo na TNU, juíza federal Lilian Oliveira da Costa Tourinho, enfatizou que a “a Lei 14.151/2021 previu, em verdade, o afastamento do trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2 de toda empregada gestante, mesmo aquela cuja atividade desempenhada seja incompatível com o trabalho remoto e que, dada a natureza da atividade exercida, as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da gestante para o seu exercício, seria inviável a alteração de suas funções”.
Salientou a relatora que, nessa situação de incompatibilidade do trabalho à distância e impossibilidade de adaptação à forma de sua execução, há efetiva suspensão/interrupção do contrato de trabalho: “Em outras palavras, não houve o desempenho de trabalho pela empregada gestante, sequer pode-se dizer, dada a natureza da atividade exercida presencialmente e a impraticabilidade de adaptação do contrato de trabalho, que a trabalhadora gestante estava à disposição do empregador. A situação, pois, amolda-se à licença-maternidade a exigir o pagamento, em verdade, de salário-maternidade e não de remuneração a cargo do empregador”.
Registrou que não há jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à matéria, nos moldes definido por esse próprio órgão julgador no PUIL 825.
A magistrada pontuou, também, que a proteção à maternidade é um direito social consagrado no art. 6º da Constituição Federal e que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) tutela os direitos da empregada gestante em quaisquer situações de risco ou gravame à sua saúde e bem-estar, salientando que a maternidade não pode ser um ônus para o empregador, em desestímulo, inclusive, à contratação de mulheres. Disse a Relatora que “não há como não reconhecer a situação de risco enfrentada pela empregada gestante com o desempenho do trabalho presencial durante a Pandemia da Covid-19. Aliás, uma das medidas de política pública de enfrentamento para conter a proliferação da doença causada pelo vírus SARS-Cov-2 e o avanço da Pandemia foi o distanciamento social”.
Para o deslinde da questão posta, entendeu a juíza que “a solução amolda-se à prevista no art. 394-A, o § 3º da CLT, que determina, diante da impossibilidade de realocação da empregada gestante para desempenho da atividade laboral em condições salubres, que a hipótese seja considerada como gravidez de risco com a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei 8.213/1991, durante todo o período de afastamento. Configurada essa situação, o salário-maternidade, ainda que pago pelo empregador, tem seu ônus efetivo a cargo do Poder Público, sendo autorizada a compensação mensal desse custo no conjunto dos recolhimentos das contribuições previdenciárias a seu encargo, efetuados mensalmente, nos termos do disposto no art. 72, da Lei nº 8.213/91”.
Salientou que “o princípio da separação dos poderes é alicerce do Estado democrático de direito. Não viola, contudo, tal princípio, a intervenção, em caráter excepcional, pelo Poder Judiciário em Políticas Públicas para salvaguardar direitos fundamentais. (…) Evidente que a medida ora em análise – de afastamento da empregada gestante do trabalho presencial, compele o particular a efetivar Política Pública em lugar do Estado, com recursos próprios”. Concluiu que “o fato de ter sido rejeitada, em razão de acordo construído com as Lideranças Partidárias pelo texto original do projeto, emenda ao referido projeto de lei para incluir como gravidez de risco e concessão de salário-maternidade quando o trabalho não pudesse ser desempenhado de forma remota, nada mais traduz do que o fato de ter sido deixado ao Poder Judiciário o exame da situação posta”.
Ficaram vencidos a juíza federal Flávia Heine Peixoto e os juízes federais João Carlos Cabrelon de Oliveira e Rodrigo Rigamonte Fonseca quanto ao provimento do pedido de uniformização.
Processos n. 1050950- 69.2021.4.01.3500/GO e 1050950- 69.2021.4.01.3500/GO
Com informações do CJF