Ser surpreendido em flagrante delito na prática do crime de porte/posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, descrito na lei 10.826/2003, é conduta que traduz um risco social de alta monta, com perigo à segurança pública e a paz social, exigindo-se que, no estágio inicial desse tipo de crime o Estado reaja com rigor a fim de que o ato não evolua e se transforme em efetiva ofensa. Quando o agente, visando assegurar a impunidade desse crime, ao ser preso, oferece vantagem ao policial para que não efetue a prisão e deixe de cumprir ato de ofício, incide em nova conduta criminosa, a da corrupção ativa. Mas, por ocasião da condenação não pode o juiz se utilizar da circunstância de que o flagranteado pretendeu obter essa vantagem para exasperar a pena, porque ocorrerá um desdobramento da censura penal, o que não é permitido, pois essa pretensão de vantagem já integra o tipo penal da corrupção ativa. A decisão está nos autos em que foi Réu Fabiano de Souza Nogueira, sob a relatoria de Carla Maria Santos dos Reis.
Em apelação o réu pretendeu a absolvição dos crimes de posse/porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e da corrupção ativa, sendo imperativo para a condenação o depoimento dos policiais militares que efetuaram a prisão em flagrante delito, que confirmaram a apreensão das armas com numeração suprimida, que se confirmou em laudo.
Nos autos constou que aos milites fora oferecida vantagem indevida, consistente no intuito de ocultar a prática do crime de porte/posse ilegal de arma de fogo de uso restrito. Aos milicianos se ofertou, por ocasião da prisão, pelo flagranteado, duas motocicletas e a importância de dez mil e 100 reais.
No julgamento, os juízes de instância superior firmaram que a agravante reconhecida em primeiro grau constituiu um bis in idem -dupla punição-, pois pretender a facilitação ou o asseguramento da execução , ocultação ou impunidade do crime é circunstância já prevista no crime de corrupção ativa, descrito no artigo 333 do Código Penal.
Leia o Acórdão:
Processo: 0000294-88.2020.8.04.7301 – Apelação Criminal, 1ª Vara de Tabatinga. Apelante : Fabiano de Souza Nogueira.Relator: Carla Maria Santos dos Reis. Revisor: José Hamilton Saraiva dos Santos. EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. CONDUTA EQUIPARADA À ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ART. 16, § 1º, INC. IV, DA LEI Nº 10.826/03. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBLIDADE. CORRUPÇÃO ATIVA. ART. 333, DO CÓDIGO PENAL. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. ROBUSTO CONJUNTO PROBATÓRIO. POLICIAIS MILITARES QUE APRESENTARAM RELATOS COERENTES E HARMÔNICOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. CORRUPÇÃO ATIVA. CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE DO ART. 61, II, B, DO CP. BIS IN IDEM. RECONHECIMENTO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA FIXADO NO SEMIABERTO, EX VI DO ART. 33, § 2º, B E C, DO CÓDIGO PENAL. QUANTUM DA PENA ABAIXO DE 04 (QUATRO) ANOS E RECIDIVA DO APELANTE. PROCEDIDA ADEQUAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR AO REGIME INTERMEDIÁRIO. COMPATIBILIDADE. I – Pretende o recorrente absolvição dos delitos tipificados no art. 16, § 1º, inciso IV, do Estatuto do Desarmamento e do art. 333, do Código Penal. II – A despeito disso, entende-se que a pretensão do recorrente não merece provimento, pois a sentença impugnada encontra amparo legítimo no conteúdo probatório que informa os autos, sendo suficientes, para a configuração da materialidade e autoria delitivas, os elementos de convicção colhidos durante as fases inquisitória e judicial. III – Nessa esteira, acerca da constatação da materialidade e autoria delitivas do crime tipificado no art. 16, §1º, inciso IV, do Estatuto do Desarmamento, imperioso atentar para o depoimento dos policiais que participaram da autuação em flagrante, os quais
confirmaram a apreensão da arma objeto da imputação ora analisada em posse do recorrente, a qual foi submetida a periciamento, com respectivo laudo colacionado às fl s. 145/147, que atestou tratar-se de 01 (uma) arma de fogo, tipo pistola, calibre 380, da marca Bersa, com numeração suprimida, e apta para produção de disparos. IV – Neste enredo, ressalta-se que o crime de posse/porte ilegal de arma de fogo de uso restrito é de perigo abstrato, tendo como objeto jurídico tutelado a segurança pública e a paz social, colocadas em risco com a posse desse instrumento. V – A norma penal objetiva, portanto, proteger a incolumidade pública, evitando a exposição ao risco de lesão, a visar, assim, uma segurança social maior ainda no estágio inicial, a fi m que de o ato não evolua até se transformar em uma efetiva ofensa.VI – No tocante ao delito tipificado no art. 333, do Código Penal, que consubstancia o delito de corrupção ativa, o Juízo de piso certificou a autoria e materialidade delitivas fundando-se no auto de exibição e apreensão (fl . 14-15), no qual se encontram elencados os bens oferecidos aos milicianos (duas motocicletas e o valor de dez mil e cem reais), bem como pelos depoimentos das testemunhas Newton Carneiro de Farias Neto e Gabriel Areval Santana, policiais militares.VII – Em reforço, consiste a gravação ambiental realizada pelo agente militar Gabriel Areval Santana (fl s. 518/519), na qual comprova o ato de oferecimento de vantagem indevida aos policiais militares, para o fim de ocultar a prática do crime de porte/posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, tipificado no art. 16, §1º, IV, da Lei n.º 10.826/2003. VIII – Ressalta-se
que o crime de corrupção ativa é estudando como sendo delito, em regra, de natureza formal, no qual a palavra dos policiais, aos quais direcionada a oferta de vantagem indevida, revela-se suficiente à caracterização da materialidade e da autoria delitivas. Precedentes do STJ.IX – Reconhece-se que a aplicação da agravante do art. 61, inciso II, b, do Código Penal, no caso em apreço, caracteriza-se violação à vedação ao bis in idem, devendo, pois, ser decotada. Isso porque a aludida agravante (para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime) é circunstância já prevista no próprio tipo penal do crime de corrupção ativa (art. 333 do C.P), que tipifica a conduta do agente que oferece ou promete vantagem indevida a funcionário público, objetivando omitir ou retardar ato de ofício. X – Tendo em vista o montante da pena a ser adimplida, ou seja, em patamar abaixo de 04 (quatro) anos, corroborado pela reincidência do apelante (execução penal nº 0001143-97.2019.8.04.7300 – projudi), o regime inicial de cumprimento da pena, ex vi do art. 33, § 2º, b e c, do Código Penal, é o semiaberto.