TJ-SP nega homeschooling e determina matrícula de criança em escola

TJ-SP nega homeschooling e determina matrícula de criança em escola

A escola, além de prover educação formal, favorece interações sociais essenciais, promove aprendizagem sobre convivência em sociedade, respeito à diversidade, desenvolvimento socioemocional, e permite a identificação e acompanhamento de possíveis violações de direitos.

 

Com base nesse entendimento, a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a matrícula e a frequência obrigatória de uma criança em um estabelecimento oficial de ensino. Por unanimidade, o colegiado manteve a sentença de primeiro grau que negou pedido da família para manter a criança em homeschooling.

Autor da ação, o Ministério Público disse que a criança não estava matriculada no 1º ano do ensino fundamental, conforme noticiado pela Secretária Municipal de Educação. Segundo os registros, o pai solicitou a transferência de uma escola municipal sob o pretexto de que matricularia o filho em uma instituição particular, o que não foi feito.

A família alegou ter enfrentado problemas enquanto a criança estava na creche e disse que seu estado de saúde delicado justificava a escolha pelo ensino domiciliar. Entretanto, a Justiça entendeu que a criança estava sendo privada de seu direito à educação, formalmente reconhecido pelo Estado de Direito e pela legislação vigente.

 

A relatora, juíza substituta em segundo grau Ana Luiza Villa Nova, observou, em seu voto, que o artigo 205 da Constituição Federal estabelece um dos pilares mais cruciais da sociedade brasileira: o direito à educação. De acordo com o texto, a educação é entendida não apenas como um direito inalienável de todos os cidadãos, mas também como uma responsabilidade compartilhada entre o Estado e a família.

“No entanto, é importante observar que o termo ‘família’ aqui mencionado não implica necessariamente que o ensino seja realizado no ambiente doméstico. A Constituição ressalta o papel ativo da família no suporte e complementação do processo educacional, auxiliando na formação integral da criança e do adolescente, e não substituindo o papel do Estado e da escola”, afirmou.

Conforme Villa Nova, a participação da família é entendida como um dever de colaborar e apoiar o trabalho desenvolvido pela escola e pelo Estado, e não de substituí-los. Ela afirmou ainda que a escola tem um papel insubstituível e não apenas oferece o conhecimento formal, como também promove interações sociais, ensina sobre convivência coletiva e respeito à diversidade, aspectos fundamentais para o desenvolvimento pleno do indivíduo e para o exercício da cidadania.

“Assim, é imprescindível compreender que o artigo 205 da Constituição, ao estabelecer a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, não legitima a adoção unilateral do ensino domiciliar. Essa modalidade de ensino, como já ressaltado, não encontra respaldo no atual ordenamento jurídico brasileiro”, acrescentou a relatora.

Ela também embasou a decisão no Tema 822, em que o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, sendo tal modalidade de ensino inexistente na legislação brasileira”.

“Consoante a tese, o direito à educação está intrinsecamente ligado à presença da criança no ambiente escolar”, afirmou a julgadora.

Na visão de Villa Nova, o convívio com outros alunos e com a diversidade de experiências e opiniões favorece o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como empatia, tolerância, resolução de conflitos, cooperação, entre outras, que são essenciais para o desenvolvimento integral da criança e para sua formação enquanto cidadão participativo na sociedade.

“Além disso, a escola desempenha papel fundamental na identificação e acompanhamento de possíveis situações de risco ou violação dos direitos da criança ou adolescente. O convívio escolar permite que professores e outros profissionais observem o comportamento e a saúde física e mental dos alunos, intervindo quando necessário e acionando os órgãos competentes para garantir a proteção integral dos menores”, disse.

Neste cenário, a magistrada concluiu que o papel do Estado na garantia do direito à educação é “inquestionável”. De acordo com o artigo 208 da Constituição Federal, é dever do Estado garantir o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, a todos os cidadãos. Essa norma traduz o compromisso do Estado com a educação de seus cidadãos e com a promoção de uma sociedade justa, solidária e inclusiva.

Incidente na creche
Para a relatora, é compreensível a preocupação dos pais após a criança ter sofrido negligência na creche. Na ocasião, o menor sofreu uma grave crise de alergia após ter consumido iogurte, mesmo com o alerta dos pais de que ele era alérgico à lactose. Mas, segundo Villa Nova, um incidente isolado não pode ser usado como justificativa para desconsiderar completamente o valor e os benefícios do ambiente escolar.

“A opção pelo ensino domiciliar como reação a um evento isolado poderia, na realidade, privar a criança de experiências fundamentais proporcionadas pelo convívio escolar, como a convivência com a diversidade, o aprendizado social, a resolução de conflitos e a construção de sua própria autonomia. A preocupação dos pais é justificada, e o incidente deve ser objeto de devida apuração. No entanto, é crucial entender que a opção pelo homeschooling não é legalmente viável.”

Ela também afirmou que a educação formal vai além do mero ensino acadêmico e engloba uma série de aspectos essenciais para o desenvolvimento integral do indivíduo. Ainda de acordo com a relatora, a legislação brasileira prevê a frequência escolar como um requisito para a realização plena do direito à educação.

“Nesse sentido, apesar da existência do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), que possibilita a obtenção de certificação oficial, este não substitui a necessidade de frequência escolar. O Encceja é uma alternativa para aqueles que, por algum motivo, não puderam concluir seus estudos na idade apropriada. Contudo, a existência deste exame não legitima a prática do ensino domiciliar”, explicou.

Assim, diante da inobservância do dever de matrícula obrigatória pelos pais, a magistrada considerou “inevitável” a intervenção do Judiciário para garantir o cumprimento do direito fundamental à educação. Para ela, a medida é ainda mais necessária quando se constata a possibilidade de risco ao desenvolvimento integral do menor, como é o caso dos autos.

Processo 1001718-62.2022.8.26.0416

Com informações do Conjur

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