A 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento a recurso do Ministério Público e elevou para 175 anos de reclusão a pena de um falso pai de santo acusado de inúmeros crimes de estupro de vulnerável contra 12 mulheres. O MP havia apelado por considerar baixa, em relação à gravidade dos delitos, a sanção de 136 anos fixada na sentença. O limite de cumprimento de penas privativas de liberdade no Brasil é de 40 anos, conforme estabelece o artigo 75 do Código Penal.
“As gravíssimas circunstâncias e consequências dos crimes, bem como a evidente personalidade desvirtuada do réu, devem ser sopesadas nesta fase em relação a todos os delitos praticados contra as 12 vítimas, o que faço para exasperar a pena-base”, afirmou a desembargadora relatora, Ely Amioka. A julgadora também acolheu pedido do MP para reconhecer a circunstância agravante do artigo 61, inciso II, alínea “h”, do CP em relação a duas mulheres, porque o réu as estuprou ciente de que estavam grávidas.
Cada mulher foi estuprada por mais de uma oportunidade, não sendo apurada a exata quantidade de vezes, razão pela qual foi aplicada na sentença o artigo 71 do CP. Essa regra refere-se ao crime continuado e a relatora considerou adequado o seu reconhecimento em relação aos abusos sexuais cometidos contra a mesma vítima, “eis que os delitos foram praticados de forma reiterada, perpetrados nas mesmas condições de tempo e lugar”.
No entanto, em relação aos crimes cometidos contra cada uma das 12 vítimas, Ely Amioka acolheu pedido do MP para que fosse aplicada a regra do concurso material (artigo 69 do CP), pela qual as penas devem ser somadas, “o que faço para fixar a reprimenda definitivamente em 175 anos de reclusão”. No crime continuado, considera-se a pena de um dos delitos, se iguais, ou a mais elevada, se diferentes, elevando-a de um sexto a dois terços em qualquer caso.
Os desembargadores Sampaio Arruda e Sérgio Ribas seguiram a relatora, inclusive para proibir a possibilidade de o acusado recorrer solto, pois os requisitos da prisão preventiva permanecem. O colegiado também negou provimento à apelação do pretenso pai de santo, que requereu a absolvição por fragilidade probatória. Segundo as alegações da defesa, as vítimas pediam a manifestação da entidade denominada “Irmãozinho”, incorporada pelo réu, para com ela manterem relações sexuais consentidas.
Vulnerabilidade
Consta do acórdão que o acusado oferecia trabalhos espirituais, como jogos de búzios e consultas a espíritos que ele dizia incorporar. Após algumas consultas, aproveitando-se da vulnerabilidade das vítimas, “que a ele se subordinavam totalmente em busca de proteção e cura, física e espiritual”, o réu lhes propunha que participassem de “rodas de esquerda”, restritas às mulheres e ao suposto pai de santo. Nessas condições, os estupros foram cometidos.
A relatora assinalou que nesse tipo de delito, usualmente cometido na clandestinidade, a palavra da vítima se reveste de maior força probatória. Porém, no caso dos autos, as versões das ofendidas ganharam ainda mais relevância porque, tanto na fase policial quanto em juízo, elas foram coesas entre si. Ouvido como testemunha, um babalorixá teceu explicações sobre o candomblé e afirmou inexistirem rituais que envolvam relação sexual, sob qualquer pretexto, entre os praticantes da religião, estando ou não incorporados.
A decisão da 8ª Câmara de Direito Criminal citou trecho da sentença do juiz Cesar Luis de Souza Pereira, da 4ª Vara Criminal de Sorocaba, conforme o qual o babalorixá disse que o réu não possui o mínimo conhecimento do candomblé e estuprou usando indevidamente o nome da religião. Para o magistrado, o falso pai de santo foi inescrupuloso ao explorar a fé das vítimas e lhes infundir temor de males físicos e espirituais, casos não cedessem aos pedidos sexuais da entidade que ele dizia incorporar.
Com informações do Conjur