O Estado alegou que a episiotomia era necessária para proteger o bebê e que na situação concreta havia incerteza quanto ao resultado da atuação médica sobre o estado de saúde debilitado da paciente. Para o Estado, a episiotomia era necessária para proteger o bebê. Assim, defendeu que os danos à saúde da paciente eram inevitáveis. No entanto, o desembargador Elci Simões rejeitou esta tese, afirmando que houve falha no serviço de saúde, comprovada por perícia e mandou o Estado do Amazonas indenizar a paciente em R$ 100 mil.
O Desembargador Elci Simões de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), rejeitou a alegação do Estado do Amazonas de que a episiotomia — procedimento cirúrgico que consiste em um corte para facilitar o parto normal — poderia afastar os efeitos indenizatórios da responsabilidade objetiva do Estado em um caso de parto que causou danos concretos à paciente.
Ao reconhecer a falha médica que resultou em sequelas permanentes à parturiente, o desembargador destacou que riscos previsíveis não justificam condutas inadequadas, reforçando a necessidade de rigor na apuração do ilícito a fim de proteger a confiança no sistema de saúde e a integridade dos pacientes.
Na ação, a autora relatou que, após sucessivas contrações que a levaram à maternidade, foi submetida a um parto normal. Diante da dificuldade na passagem do bebê, foram realizados dois cortes de tesoura, que resultaram em rupturas neurológicas. Em consequência, a paciente sofreu danos físicos severos e, desde a data do ocorrido, em 2011, não obteve recuperação. A ação foi proposta em 2015.
A sentença de agosto de 2019, proferida pela Juíza Etelvina Lobo, condenou o Estado a indenizar a autora em R$ 100 mil. A magistrada entendeu que houve negligência médica e destacou que os danos decorreram de perturbações na vida, na saúde, na tranquilidade e nos sentimentos da paciente.
No recurso, o Estado não contestou a existência dos danos à saúde da autora, mas argumentou que estes seriam decorrentes da necessidade de garantir a integridade do bebê no momento do parto. Sustentou que, se o procedimento não tivesse sido realizado, haveria risco para a saúde da criança, o que afastaria qualquer responsabilidade da equipe médica e, por extensão, do Estado. Alegou, ainda, que o dano resultou de uma iatrogenia, ou seja, um resultado prejudicial, mas inevitável e não decorrente de erro médico.
“Deste modo, eventual condenação do ente estatal viria a ser totalmente descabida, porquanto o suposto dano suportado pela requerente decorreu de fator que foge à responsabilidade médica, resultado da iatrogenia, não tendo qualquer conduta do Estado dado causa diretamente à lesão alegada”, enfatizou o recurso.
No voto que conduziu o julgamento, o Desembargador Elci Simões afastou as teses do Estado, ao afirmar que a responsabilidade civil do ente público é objetiva, conforme o artigo 37, §6º, da Constituição Federal. Para sua caracterização, bastam a comprovação do dano, do ato ilícito e do nexo causal.
A análise da prova técnica confirmou a existência de nexo de causalidade entre as sequelas sofridas pela autora e as falhas nos serviços de saúde prestados. Segundo a perícia judicial, a paciente apresenta incapacidade total e permanente para atividades ocupacionais e cotidianas, em decorrência de debilidades decorrentes do erro médico.
O relator enfatizou que o erro médico, por ter comprometido a integridade física e psíquica da autora, impôs à mesma uma dependência permanente de cuidados, com danos objetivos e concretos que, a toda prova, não estiveram limitados a qualquer dúvida ou dilema. Porém, houve uma certeza, a de que episiotomia esteve associada a erro médico com reflexos negativos profundos que debilitaram a saúde da autora.
Processo n. 0639808-50.2015.8.04.0001