Para o Superior Tribunal de Justiça, a interpretação da lei que prevê o reingresso de cubanos no Programa Mais Médico deve respeitar a finalidade almejada: alcançar aqueles que, mesmo após a ruptura da cooperação entre Brasil e Cuba, decidiram ficar no país.
Com esse entendimento, a 2ª Turma do STJ negou provimento a um recurso especial da União, que vem adotando interpretação restritiva do artigo 23-A, inciso III, da Lei 12.781/2013 (Lei do Mais Médicos), de maneira a excluir diversos profissionais do programa voltado a engajar médicos cubanos na saúde pública brasileira.
A presença dos cubanos foi viabilizada por um acordo de cooperação entre os dois países que foi encerrado em 2018, em meio a críticas do recém-eleito presidente Jair Bolsonaro. Na época, havia cerca de 8,5 mil médicos do país caribenho atuando no Brasil.
Mais tarde, o governo Bolsonaro substituiu o programa por outro análogo, chamado Médicos pelo Brasil, por meio da Medida Provisória 980/2019, convertida na Lei 13.950/2019. Foi, então, inserido o artigo 23-A na Lei 12.871/2013 para prever a recontratação de cubanos.
Para isso, esses profissionais teriam de estar na função no momento em que o acordo de cooperação com Cuba foi rompido, em novembro de 2018, terem sido desligados do Projeto Mais Médicos e terem permanecido no território nacional até a data de publicação da MP 980/2019.
O reingresso de médicos cubanos no país tem sido alvo de diversas ações judiciais. No caso apreciado pelo STJ, a União recusou a recontratação porque a profissional voltou a Cuba logo que o acordo entre os países foi rompido, mas permaneceu pouco tempo por lá, logo se restabelecendo no Brasil.
Ao STJ, a União alegou que permitir o reingresso criaria um precedente que obrigaria o governo a rever a posição para atender a situações individuais, deslocando esforços administrativos para cumprir centenas de decisões judiciais que destoam do planejado para a sua consecução.
A interpretação literal da norma daria razão ao governo brasileiro. Para o ministro Mauro Campbell, no entanto, o intérprete deve ter em vista a finalidade da lei: alcançar aqueles que, mesmo após a ruptura da cooperação entre Brasil e Cuba, quiseram permanecer no Brasil.
Para o relator do recurso, o fato de a autora da ação ter retornado ao Brasil em brevíssimo tempo e ter estabelecido vínculo de permanência mesmo sem saber se poderia ser recontratada pelo Mais Médicos faz com que ela cumpra o requisito exigido pela lei.
“O fato de a autora ter sido repatriada logo após a ruptura ocorrida entre o Brasil e a República de Cuba não inviabiliza, por si só, sua participação no chamamento para reintegração ao Programa Mais Médicos para o Brasil”, concluiu ele.
O voto ainda aponta que os efeitos práticos de decisões judiciais que interferem de forma direta no desenvolvimento de programas de governo devem mesmo ser previstos e sopesados pelo Poder Judiciário.
“Mas não a ponto de se deixar de aplicar a norma legal para evitar indesejável deslocamento de esforços gerenciais e recursos administrativos”, esclareceu. A votação na 2ª Turma foi unânime.
REsp 2.031.548
Com informações do Conjur