Por não verificar qualquer imputação de crime, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Messod Azulay Neto concedeu ordem de habeas corpus para trancar a ação penal em que o ex-jogador de futebol Edmundo acusava a jornalista Renata Mendonça de calúnia.
Ao atuar como comentarista da Band na transmissão da final do Mundial de Clubes de 2022, entre Chelsea e Palmeiras, Edmundo afirmou que o jogador Romelu Lukaku, do time inglês, possuía força física, mas era desprovido de técnica. Pouco depois, a jornalista do Grupo Globo escreveu em sua conta no Twitter, sem citar o ex-jogador, que esse tipo de comentário “repete um clichê racista”, segundo o qual jogadores negros têm força física, mas não técnica ou inteligência para jogar futebol.
Devido à postagem de Renata, Edmundo prestou queixa-crime, imputando a ela o cometimento do crime descrito no artigo 138 do Código Penal (calúnia), combinado com a causa de aumento de pena prevista no artigo 141, parágrafo 2º. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) denegou o habeas corpus impetrado pela defesa de Renata.
Em outro habeas corpus, dessa vez no STJ, a defesa da jornalista alegou que ela fez apenas um comentário, com base na liberdade de expressão, sem nenhum objetivo de caluniar Edmundo.
Postagem revela absoluta atipicidade penal para o delito de calúnia
Em sua decisão monocrática, o ministro Messod Azulay Neto, relator do pedido, destacou que a queixa-crime não demonstra ter havido contra o ex-jogador a imputação, pela jornalista, de um fato concreto e determinado que seja definido como crime na legislação – condição necessária para a caracterização da calúnia. Segundo o magistrado, o texto publicado pela jornalista não definiu qualquer conduta criminosa que tivesse sido praticada pelo então comentarista da Band.
No entendimento do relator, a liberdade de opinião exercida pela jornalista ao criticar o comentário também respalda o ex-jogador para “efetuar eventuais críticas a jogadores de futebol independentemente de quem sejam, obviamente, desde que dentro dos limites legais”.
“Nesse panorama, de maneira cristalina, a postagem efetuada pela jornalista demonstra a absoluta atipicidade penal para o delito de calúnia”, concluiu.
Afirmações abstratas não caracterizam crime de calúnia
O ministro explicou que, no crime de calúnia, devem estar presentes, simultaneamente, a imputação de fato determinado e qualificado como crime; o elemento normativo do tipo, consistente na falsidade da imputação; e o elemento subjetivo, o animus caluniandi (intenção de ofender com calúnia).
“Assim, se não houve pela querelada a descrição de fato delituoso específico quanto ao querelante, deve ser reconhecida a inépcia da queixa-crime, eis que o crime de calúnia não ocorre mediante afirmações genéricas e de cunho abstrato. A suposta acusação de que uma fala ‘repete um clichê racista’ não contém qualquer imputação de crime, razão pela qual sobressai, de plano, a atipicidade da conduta narrada na queixa-crime”, declarou o relator.