Decisão do Ministro Joel Ilan Paciornick reafirma a aplicação do princípio da fungibilidade recursal ao rejeitar a tese de erro grosseiro na interposição de apelação pelo Ministério Público em vez de recurso em sentido estrito contra decisão que desclassificou o crime de homicídio, na forma tentada, por lesão corporal grave.
O Ministro fixa a posição no Tema Repetitivo n. 1.219 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacando que, presentes os requisitos de admissibilidade e inexistente intuito protelatório, a conversão do recurso equivocado é possível.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Ministro Joel Ilan Paciornik, negou provimento a recurso especial interposto por C.A.S. e manteve decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) que pronunciou o réu pelo crime de tentativa de homicídio qualificado. A decisão foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico Nacional (DJEN) em 21 de março de 2025.
Contexto e fundamentos da decisão
O caso teve início na Vara Única da Comarca de São Gabriel da Cachoeira, onde o réu foi denunciado pela prática de homicídio qualificado tentado (art. 121, § 2º, II, III e IV, c/c art. 14, II, do Código Penal). O Juízo de primeiro grau desclassificou a conduta para lesão corporal grave (art. 129, § 1º, II, do Código Penal), condenando o acusado a um ano de reclusão em regime inicial aberto.
O Ministério Público do Amazonas, insatisfeito com a desclassificação, interpôs recurso de apelação. O TJAM, ao julgar o caso, reformou a sentença e pronunciou o réu, entendendo haver indícios suficientes de materialidade e autoria para submeter o acusado ao Tribunal do Júri. O acórdão destacou que a existência do animus necandi (intenção de matar) estava evidenciada, sendo a competência para julgamento do caso do Tribunal Popular, conforme o artigo 413 do Código de Processo Penal.
A defesa, então, opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados, levando à interposição de recurso especial ao STJ. O principal argumento da defesa foi a alegação de erro grosseiro na interposição da apelação pelo Ministério Público, ao invés de recurso em sentido estrito, sustentando a impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
Decisão do STJ
O Ministro Joel Ilan Paciornik reconheceu a admissibilidade do agravo, mas negou provimento ao recurso especial. O relator fundamentou sua decisão na jurisprudência consolidada da Corte, especialmente no Tema Repetitivo n. 1.219, que permite a aplicação do princípio da fungibilidade recursal em casos de interposição equivocada de apelação no lugar de recurso em sentido estrito, desde que preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso cabível e não configurado intuito protelatório.
A decisão ressaltou que, na hipótese dos autos, a Comarca de São Gabriel da Cachoeira possui vara única, e a sentença proferida pelo juiz de piso não apenas desclassificou o crime, mas também impôs condenação ao réu. Diante desse cenário, entendeu-se que a interposição de apelação pelo Ministério Público era admissível, afastando a tese da defesa de erro grosseiro.
Conclusão
Com essa decisão, o STJ reforçou a possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal em determinadas hipóteses processuais, evitando a nulidade de atos que observam os pressupostos de admissibilidade recursal e não possuem caráter manifestamente protelatório. Dessa forma, ficou mantida a decisão do TJAM, que pronunciou o réu, determinando sua submissão ao Tribunal do Júri para julgamento pelo crime de tentativa de homicídio qualificado.
A defesa ainda pode avaliar a possibilidade de novos recursos, mas a decisão do STJ fortalece a orientação jurisprudencial sobre a aplicação da fungibilidade recursal e a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes contra a vida.
NÚMERO ÚNICO:0602171-82.2022.8.04.6900