O racismo é uma questão multifacetada, que envolve desde atitudes particulares e culturais até a organização das instituições. Para debater o tema, nesta sexta-feira (18), foi realizada a palestra Desafio da Igualdade Racial – Por um futuro melhor. O evento foi organizado pela Seção de Aprimoramento de Competências Comportamentais e Valores Institucionais (SAVAL/CEFOR), e integra o Programa Humaniza STJ, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), voltado para a promoção dos direitos humanos e práticas de inclusão no Tribunal.
Na abertura do evento, o presidente da Corte, ministro Humberto Martins, destacou que a luta pela igualdade é tão antiga quanto o Brasil. “O racismo ainda está enraizado na sociedade sem que, muitas vezes, seja percebido. Nossos avanços têm sido lentos, mas firmes”, apontou. O magistrado destacou que ele criou um grupo de trabalho para fazer sugestões de combate à discriminação racial no STJ, com a Portaria n. 404/2020.
“Temos que criar condições para as pessoas que vêm depois de nós, para que possam ter um mundo melhor do que o entregue para a gente”, afirmou, citando o advogado, professor e autor do livro Racismo Estrutural, Silvio de Almeida.
O primeiro palestrante foi o ministro do STJ Benedito Gonçalves. Ele preside a comissão de juristas que está elaborando políticas de integração social na Câmara dos Deputados. O ministro apontou que há duas grandes formas de racismo a serem combatidas. “O primeiro é institucional, que são as políticas de instituições públicas e privadas que promovem exclusão; o segundo é mais difícil de identificar e combater, o estrutural. Este é uma discriminação fundada na cultura, em hábitos, falas e outras atitudes segregacionistas”, explicou.
Gonçalves lembrou que uma das primeiras leis antirracismo do país foi a Afonso Arinos, de 1951, que classificava essa prática como contravenção. “Hoje, a prática de racismo é um crime. O artigo 5º da Constituição Federal preconiza a igualdade das pessoas, independentemente de raça, gênero, religião e outros”, apontou. Mas, ele asseverou que não bastam leis, são necessárias ações afirmativas, combate ao racismo e uma luta constante em todos os segmentos para acontecerem mudanças reais.
O palestrante seguinte foi o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, advogado e escritor José Vicente. Ele afirmou que houve sucesso em formalizar legalmente a luta histórica por direitos raciais. “Mas, as leis não garantem ainda o cumprimento do princípio constitucional da igualdade”, observou. Para ele, o “copo só está meio cheio”. Seria importante criar mecanismos sociais, como políticas e uma cultura de combate às distorções raciais. “O racismo vitimiza todos e é uma luta de todos. E por isso o comprometimento de uma instituição como o STJ é tão importante e dá tanta esperança”, completou. O reitor salientou que é preciso construir cidadãos, e isso se daria no âmbito da educação, nos colégios e nas universidades.
A pesquisadora e doutora em ciências sociais Ana Cláudia Farranha observou que iniciativas como a do STJ são muito importantes para começar a discutir o racismo na estrutura da sociedade. “Nosso imaginário ainda dá um lugar subalterno ao negro. Mesmo garantindo acesso, ainda é difícil para pretos conseguirem evoluir nas carreiras públicas. Uma grande questão é como aumentar a presença dos negros nas posições mais qualificadas”, alertou. Ela também ressaltou que falta informação, e é preciso fazer diagnósticos das quantidades e posições de negros, mulheres e outras minorias nas instituições.
Para o juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e doutor em direito Fábio Francisco Esteves, o racismo estrutural ainda está em um processo de desconstrução. Em sua palestra, ele disse que a responsabilidade individual não pode ser esquecida, mas também é preciso cuidar das instituições. “O próprio STJ já tem jurisprudência para o combate ao racismo nas instituições, mas os números ainda são entristecedores”, comentou. Para ele, o racismo estrutural é muito sofisticado e se reproduz de vários modos, criando uma questão de subalternidade. “Ainda há na cabeça de muitos um ‘modelo europeu’ de desenvolvimento, no qual o negro é estigmatizado como um obstáculo”, disse.
Segundo o juiz Fábio Francisco, ainda se criam argumentos para justificar a posição menos privilegiada do negro na sociedade. “Ainda temos a ideia da ‘mãe preta moderna’ na figura doméstica, que não é vista como uma profissional; ou da beleza exótica, quando se fala de modelos negras”, exemplificou.
O encontro foi encerrado pela juíza auxiliar da Presidência do STJ, Sandra Silvestre, coordenadora do Programa Humaniza STJ. “Eu sempre aprendo muito com esses encontros e acredito que eles são passos importantes para o avanço das políticas de inclusão”, concluiu.
Fonte: STJ