Qualquer reconhecimento pessoal ou fotográfico que não siga estritamente o que determina o artigo 226 do Código de Processo Penal deve ser invalidado. Com esse entendimento, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, revogou a prisão preventiva e determinou a soltura de um homem acusado de roubo e associação criminosa.
O artigo 226 do CPP determina que a pessoa a ser reconhecida seja descrita pela pessoa responsável pelo reconhecimento, bem como colocada ao lado de outras com características semelhantes. Também é necessária a coleta prévia da descrição detalhada do autor do fato.
O homem foi acusado de roubar uma motocicleta, um aparelho intercomunicador, um capacete e um celular junto a outras três pessoas. Cerca de um mês depois, uma das vítimas o reconheceu, por meio de fotografias, como um dos autores do roubo. Algumas semanas depois, ele foi identificado novamente, desta vez em reconhecimento pessoal feito de forma presencial na delegacia.
O acusado negou ter participado do roubo. Mesmo assim, foi preso de forma preventiva. A defesa, feita pelo advogado Felipe Cassimiro Melo de Oliveira, alegou que os autos dos reconhecimentos não continham as características supostamente apontadas pelas vítimas.
Precedentes
O STJ considerava que o artigo 226 do CPP era uma mera recomendação, mas esse entendimento foi superado a partir de um julgamento, em 2020, da 6ª Turma no HC 598.886. Os ministros decidiram, à época, que o dispositivo é obrigatório. Caso seus requisitos não sejam seguidos, pode haver anulação da prova.
Em seguida, o próprio Supremo Tribunal Federal passou a absolver réus com base em reconhecimentos irregulares. A 2ª Turma do STF também definiu, no último ano, que o reconhecimento é inválido quando não segue o procedimento descrito no CPP (RHC 206.846).
Também em 2022, a 6ª Turma do STJ decidiu que o reconhecimento, mesmo quando seguir os moldes legais, não é prova absoluta da autoria do crime — ou seja, não pode ser o único elemento para confirmá-la.
Na ocasião, os minitros estabeleceram que o reconhecimento é irrepetível. Isso porque, quando um suspeito é exposto mais de uma vez às vítimas, a vítima fica com a sensação de que já conhece aquela pessoa. Assim, há uma tendência em repetir a mesma resposta nos reconhecimentos futuros, pois a memória está ativa e predisposta a isso.
O caso julgado
O relator considerou que não havia indícios mínimos de autoria suficientes, pois o reconhecimento do acusado ocorreu sem que fosse observado o artigo 226 do CPP. A identificação da roupa e dos bens subtraídos foi descartada como prova.
No primeiro procedimento, as fotografias de dois suspeitos do mesmo crime foram apresentadas de uma só vez à vítima. O termo de reconhecimento também não mencionou quais seriam as características das pessoas a serem reconhecidas, supostamente descritas pela vítima. Além disso, as fotografias exibidas mostravam o réu com um moletom vermelho de capuz, em cima de uma motocicleta (as vítimas contaram que os assaltantes chegaram em motos).
Já no reconhecimento pessoal, o réu foi exibido à vítima junto com um corréu. O acusado foi exibido mais de uma vez à mesma pessoa (por foto e presencialmente). Novamente, o termo não revelou quais seriam as características físicas dos indivíduos.
“Em nenhum momento do procedimento houve a explicitação da descrição das características dos autores do fato”, indicou Schietti. “Não basta que se mencione, por alto, que a descrição do autor foi oferecida aos responsáveis pela investigação, senão que é preciso registrar, pormenorizadamente, que características são essas, para que o procedimento concretamente realizado possa ser auditado”.
Além disso, em nenhum momento as vítimas recordaram as roupas dos autores do roubo, exceto que usavam capacete. Elas só lembraram que quem os havia roubado usava um moletom vermelho de capuz a partir do momento em que lhes foi exibida a fotografia do réu com um moletom vermelho.
HC 853.453
Com informações do Conjur