Está em discussão no Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de aumento do rigor no julgamento dos pedidos de redução da multa por descumprimento de ordem judicial quando o valor se torna muito alto por descuido ou desleixo.
Em voto-vista apresentado na quarta-feira (21/2), o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva propôs à Corte Especial que só tenha direito à redução do valor aquele que abandona a postura de resistência ao cumprimento da decisão.
Assim, a multa só pode ser alterada a partir do momento em que o réu na ação requerer sua modificação, exclusão ou comprovar que não tem condições de pagamento.
Isso significa que qualquer decisão referente ao valor da multa tem efeitos prospectivos — ou seja, o valor acumulado até esse momento específico não deve ser alterado.
Para Villas Bôas Cueva, essa foi a intenção do legislador, quando colocou no artigo 537, parágrafo 1º do Código de Processo Civil que o juiz poderá modificar o valor ou a periodicidade da “multa vincenda”.
“Só tem direito a redução da multa aquele que abandona a recalcitrância. Trata-se de espécie de sanção premial, consequência jurídica positiva para estimular o comportamento indicado pela norma legal, independentemente de sua natureza”, disse.
A proposta de Villas Bôas Cueva diverge da posição do relator, ministro Francisco Falcão, que autorizou a redução da multa por descumprimento de decisão judicial no caso concreto. O julgamento foi interrompido por pedido de vista de Raul Araújo.
14 anos de descumprimento
O caso julgado trata de um banco que, por meio de acordo com um correntista, se obrigou a cancelar um gravame. A obrigação foi firmada em janeiro de 2010 e, 14 anos depois, ainda não foi cumprida.
A única medida tomada pelo banco foi pedir a redução do valor, em reiteradas oportunidades. A multa pelo descumprimento, inicialmente fixada no valor de um salário mínimo, foi reduzida em diferentes oportunidades, bem como o valor total acumulado.
A última impugnação foi feita quando o credor promoveu execução no valor de R$ 523 mil. Para o ministro Cueva, isso faz com que o tema não possa mais ser apreciado no STJ, por ocorrência da chamada preclusão pro judicato.
Tema recorrente
O tema das multas por descumprimento de decisão judicial, também chamadas de astreintes, é recorrente na Corte Especial e com frequência divide os julgadores.
O colegiado decidiu em 2020 que o valor da multa pode ser revisado pelo juiz a qualquer tempo, com base na proporcionalidade e razoabilidade da punição.
Em outros órgãos julgadores do STJ, há registros de casos em que a recalcitrância do devedor e o descaso para com a decisão judicial é tamanho que multas em valores astronômicos acabaram mantidas.
Um deles passou pela Corte Especial, mas não chegou a ter o mérito julgado. Uma operadora de plano de saúde foi obrigada a pagar R$ 589 mil de multa por descumprir uma obrigação que lhe custaria R$ 4 mil. A multa diária era de R$ 1 mil.
Em outro, o descumprimento reiterado de decisões criou multa para empresa de financiamento de créditos uma punição de R$ 3,1 milhões. Para evitá-la, bastava pagar R$ 20 mil de indenização e “limpar” o nome de um cliente que foi indevidamente negativado.
Sem engessar
A propôsta do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva não chegou a ser discutida em todos esses casos e já encontra resistência. Relator, o ministro Francisco Falcão manteve o voto para dar provimento aos embargos de divergência e reduzir o montante.
O ministro Luis Felipe Salomão adiantou voto e se posicionou contra esse “engessamento” da análise do tema da astreinte. “Se amarramos o julgador, estamos em uma situação em que se poderá verificar uma enorme dificuldade em situações extraordinárias. Ficaríamos aqui de mãos atadas”, disse.
Já segundo Cueva, seria um “desvirtuamento dos embargos de divergência prover uma situação que é uma tentativa de usar o sistema de Justiça para postergar pagamentos, para consolidar uma situação de inadimplência reiterada”.
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