É possível submeter o contrato de sociedade em conta de participação à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Para isso, é preciso haver a caracterização do sócio participante ou oculto como investidor ocasional vulnerável e que a figura empresarial seja constituída ou usada com fim fraudulento.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pela G44 Brasil, empresa acusada de operar esquema de pirâmide e de lesar diversos de seus sócios por meio de contratos de sociedade em conta de participação (SCP).
Na definição de Fábio Ulhôa Coelho, a sociedade em conta de participação é um modelo no qual um empreendedor (sócio ostensivo) associa-se a investidores (sócios participantes) para explorar uma atividade econômica. Todos os atos são feitos em nome do sócio ostensivo, que responde por eles individualmente.
Esse modelo está previsto no Código Civil, nos artigos 991 a 996. Apesar de ser modalidade societária, a jurisprudência brasileira tem admitido sua submissão às normas do Código de Defesa do Consumidor quando há o desvirtuamento para contrato de adesão.
Isso porque muitas vezes a sociedade em conta de participação é usada justamente para mascarar uma relação em que há o fornecimento de um serviço a uma pessoa que pode ser entendida como o consumidora nessa relação.
No caso dos autos, o particular celebrou contrato de sociedade em conta de participação com a G44 Brasil, investindo R$ 50 mil com a promessa de receber rendimentos bimestrais. Quando o pagamento passou a atrasar, ele solicitou o distrato, mas não recebeu a devolução do dinheiro no prazo de 90 dias.
As instâncias ordinárias caracterizaram o particular como investidor ocasional vulnerável e concluíram que a G44 Brasil usou sociedade em conta de participação para fins de prática de pirâmide financeira. A empresa foi condenada a devolver o dinheiro.
Graças à incidência do CDC, o processo tramitou no foro de residência da vítima, na 22ª Vara Cível de Brasília. Para a G44 Brasil, a relação empresarial existente entre as partes demandaria a competência do foro da parte ré: uma das varas cíveis de Taguatinga (DF).
Relatora, a ministra Nancy Andrighi manteve o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Para ela, a conclusão do uso desviado da sociedade em conta de participação para despistar a existência de um verdadeiro contrato de investimento de cunho consumerista permite a incidência do CDC.
“Para incidência excepcional do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de sociedade em conta de participação, devem estar presentes dois requisitos: (a) a caracterização do sócio participante ou oculto como investidor ocasional vulnerável, e (b) ter sido a sociedade em conta de participação constituída ou utilizada com fim fraudulento, notadamente para afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor”, explicou.
Logo, em se tratando de relação de consumo, a competência é absoluta e deve ser fixada no domicílio do consumidor. A votação na 3ª Turma foi unânime.
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Fonte: Conjur