As vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), ocorrido em 2019, têm legitimidade para ajuizar execuções individuais e cobrar da mineradora Vale os valores que foram acordados em um termo de ajustamento de conduta (TAC) assinado com a Defensoria Pública de Minas Gerais.
A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu permitir que lesados pelo desastre ambiental peçam na Justiça o pagamento de R$ 100 mil, valor previsto no TAC àqueles que sofreram danos à saúde mental/emocional.
O julgamento foi encerrado em 12 de dezembro e representa uma mudança de posição do colegiado. Em outubro, a 3ª Turma estabeleceu que cabe à Defensoria Pública avaliar se o acordo está sendo cumprido e, apenas se a resposta for negativa, tomar as medidas cabíveis.
A revisão foi feita por sugestão da ministra Nancy Andrighi. Ela entendeu que caberia uma melhor análise e chegou a uma nova conclusão, que acabou acompanhada por maioria de votos na 3ª Turma.
Para ela, impedir os particulares de executar o TAC vai dificultar o recebimento das indenizações, além de desprestigiar o trabalho executado pela Defensoria Pública mineira.
“Se o termo de ajustamento de conduta realizado não pode ser executado e as vítimas permanecem a sofrer as consequências sem qualquer compensação, a realização do TAC constitui, em verdade, perda de tempo”, defendeu.
Questão de legitimidade
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o caso de Brumadinho levantou debate sobre a legitimidade para execução de acordos de ajustamento de conduta, um instrumento usado por órgãos públicos para correção de atos contrários à lei.
O TAC em questão foi assinado entre Defensoria Pública e Vale com o objetivo de viabilizar o pagamento de indenizações às milhares de vítimas do rompimento da barragem. Segundo a empresa, já foram pagos R$ 1,35 bilhão em indenizações.
O acordo estabelece parâmetros e critérios para as indenizações. A cláusula 15.7, que motivou as tentativas de execução, prevê pagamento de R$ 100 mil à vítima de dano à saúde mental/emocional e pensão, desde que haja incapacidade comprovada.
Para a ministra Nancy Andrighi, a legitimidade para executar o TAC se relaciona com a natureza do direito tutelado. No caso da Vale, o termo tutela direitos individuais homogêneos. Assim, pode ser executado por qualquer dos particulares lesados no episódio de 2019.
Por outro lado, se o TAC versasse sobre direitos difusos e coletivos, os únicos legitimados seriam os órgãos públicos competentes.
Liquidez do título
Como o TAC é considerado título extrajudicial, sua execução depende de sua liquidez. No caso, o TAC de Brumadinho estabelece dois tipos de obrigação: de fazer (realização de acordos extrajudiciais com as vítimas) e de pagar (as indenizações).
As obrigações de pagar já estão quantificadas e, portanto, possuem liquidez. A indenização por dano emocional é apenas um dos exemplos listados no TAC. Há valores pré-definidos também para óbito de familiares, lesão corporal permanente e perda de animais domésticos, entre outros.
A ministra Nancy Andrighi também rejeitou a argumentação de que o TAC só poderia ser executado mediante o descumprimento do acordo, situação que caberia ser avaliada por quem assinou o termo — a Defensoria Pública de Minas Gerais.
“Descabe às vítimas, quando do ajuizamento da execução individual, comprovar a inércia da contraparte nas tratativas individuais ou a negativa de indenização extrajudicial, sob pena de imputar à parte vulnerável o ônus de constituir prova negativa”, apontou.
Voto vencido
Votaram com a relatora os ministros Humberto Martins e Moura Ribeiro. Abriu a divergência o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que ficou vencido ao lado de Marco Aurélio Bellizze.
Para os divergentes, a 3ª Turma deveria manter a posição adotada em outubro e vetar a execução individual do TAC. Ela dependeria do descumprimento do acordo, o que só pode ser averiguado pela Defensoria Pública mineira.
“A demonstração de que a obrigação não foi cumprida é pressuposto para o ajuizamento da execução. Na hipótese dos autos, o exequente não demonstrou que o TAC foi descumprido, até porque não disporia dos dados necessários para essa constatação”, disse Cueva.
Em sua análise, o TAC não trata de obrigação de pagar quantia individualizada, mas de obrigação de fazer, consubstanciada na disponibilização de canais extrajudiciais para que esses pagamentos sejam feitos com a realização de acordos.
“Assim, como não está previsto no TAC um direito de titularidade direta do recorrido que foi descumprido, não há como reconhecer a ele legitimidade para a execução”, concluiu.
REsp 2.059.781
REsp 2.100.105
Com informações do Conjur