As turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça passaram a divergir sobre a possibilidade de a multa administrativa da Agência Nacional de Petróleo (ANP) ser fixada pelo juiz abaixo do valor mínimo estipulado por lei.
A 1ª Turma, por maioria de votos, entendeu que os parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade permitem que a punição seja reduzida de forma desvinculada do que prevê a lei.
A 2ª Turma, até agora, diz que não compete ao Poder Judiciário extrapolar a lei, sob risco de ofensa ao princípio da legalidade estrita e à discricionariedade administrativa.
Os precedentes da 2ª Turma são de 2023, quando tinha uma composição substancialmente diferente da atual: os ministros Maria Thereza de Assis Moura, Afrânio Vilela, Teodoro Silva Santos e Marco Aurélio Bellizze ainda não integravam o colegiado.
A multa em questão é a prevista no artigo 3º, inciso VIII, da Lei 9.847/1999, quando o fornecedor deixa de atender às normas de segurança previstas para o comércio ou a estocagem de combustíveis.
A margem conferida pela norma para a multa é muito ampla: o valor previsto vai de R$ 20 mil a R$ 1 milhão. O artigo 4º diz que a pena será graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida, a condição econômica do infrator e os seus antecedentes.
Razoabilidade da multa
Em julgamento de 1º de outubro deste ano, a 1ª Turma reforçou sua jurisprudência no sentido de que a avaliação da gravidade, a vantagem auferida e a condição econômica do infrator permitem concluir que o valor fique abaixo do mínimo de R$ 20 mil.
Isso porque a multa não pode configurar ônus excessivo que comprometa a própria existência da empresa que pratica a infração. Isso levaria ao confronto entre os princípios da legalidade e da proporcionalidade/razoabilidade.
O julgamento foi por maioria de votos. O voto vencedor foi do ministro Gurgel de Faria, que apontou que o Poder Judiciário pode examinar os atos praticados pela administração pública, quando provocado, para adequá-los e evitar desequilíbrios.
“Assim, excepcionalmente e diante da realidade apresentada em cada caso, é possível que as instâncias ordinárias reduzam a penalidade aplicada, ainda que para valor inferior ao mínimo estabelecido na legislação de regência”, disse.
Votaram com ele os ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa. Divergiu, mas não ficou vencido porque adequou o próprio voto, o ministro Paulo Sérgio Domingues.
O mínimo legal é o que vale
Domingues adota uma posição mais próxima daquela defendida pela 2ª Turma, no sentido de que a redução não pode levar o valor da multa a patamar inferior ao mínimo previsto em lei.
Para ele, a decisão judicial que afasta o mínimo legal não está controlando a legitimidade do ato administrativo, mas o próprio ato legislativo. “E isso o Poder Judiciário não pode fazer sem a formal declaração de inconstitucionalidade da lei.”
O ministro destacou ainda que a possibilidade de o Judiciário romper o patamar mínimo estabelecido em lei abre a hipótese de que se possa extrapolar o valor máximo, além de gerar a judicialização de significativa parte das autuações administrativas.
É a mesma lógica adotada na 2ª Turma. Em junho de 2023, o colegiado afastou a redução da pena em patamar abaixo do mínimo de forma unânime, ao julgar o REsp 2.072.205.
“Não compete ao Poder Judiciário, em inobservância aos critérios legais, reduzir o montante de multa, validamente fixada, aquém do mínimo legal, e desprovida de caráter confiscatório, e quando ausente ofensa a razoabilidade e proporcionalidade”, disse o relator, ministro Herman Benjamin, hoje presidente do STJ.
Fonte: Conjur