Não é recomendável condenar um réu pelo furto de produtos de baixo valor, os quais foram restituídos a um supermercado de grande porte econômico, para o qual a conduta seria absolutamente inexpressiva.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça aceitou recurso especial para absolver um homem preso em flagrante pelo furto de duas garrafas de bebida e sachês de suco em pó.
Para afastar a condenação, o colegiado precisou superar dois empecilhos jurisprudenciais à aplicação do princípio da insignificância: o valor dos bens furtados e o fato de o réu ser reincidente.
As duas garrafas de bebida e os sachês de suco são avaliados em R$ 100, valor que representa mais do que 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos. Esse é o limite sedimento pelo próprio STJ para o reconhecimento da insignificância da conduta.
Além disso, o réu é multireincidente. Tem quatro condenações transitadas em julgado, sendo uma por furto qualificado. Além disso, tem contra si 19 ocorrências registradas, dentre as quais resultaram também absolvições ou o reconhecimento da extinção da punibilidade. Há anotações de crimes de ameaça, porte de drogas, de trânsito e tentativa de homicídio.
Esse contexto deixou os ministros da 6ª Turma divididos quanto à absolvição pela insignificância da conduta. A superação da jurisprudência quanto ao valor dos bens e a reincidência é por vezes admitida pela corte, quando sopesadas as características de cada caso concreto.
Em primeiro grau, o réu foi absolvido. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no entanto, condenou-o à pena de 2 anos e 4 meses, em regime inicial fechado, por entender que o princípio da insignificância não seria aplicável não só nesse, como em qualquer caso.
Divergência
Prevaleceu a posição do relator, desembargador convocado Olindo Menezes, que formou a maioria com a ministra Laurita Vaz e o ministro Sebastião Reis Júnior.
“Além de o recorrente possuir apenas uma condenação por delito patrimonial (furto qualificado), os bens furtados são do gênero alimentício, avaliados em R$ 100,00, pouco acima de 10% do salário-mínimo vigente à época dos fatos (R$ 937,00), sendo que, ademais, foram restituídos à vítima, um supermercado de grande porte econômico, não se mostrando recomendável a sua condenação”, concluiu.
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Rogerio Schietti. Para ele, independentemente das razões que levaram o réu a cometer o furto, fica claro que trata-se de pessoa habitualmente comete crimes, de maneira geral.
“Acho que a situação é dramática, implica um desajuste social, mas meu receio é que o Superior Tribunal Justiça, quando autoriza a absolvição de quem comete, sucessivamente, habitualmente, às vezes, profissionalmente pequenas violações do patrimônio alheio, esteja dando uma espécie de autorização para que essas condutas continuem e para que os comerciantes, vítimas dessas condutas — sejam eles grandes comerciantes ou o dono da vendinha, da mercearia, da padaria, da banca de uma feira — estejam desprotegidos pelo Estado diante dessas ações”, disse.
Ele destacou que, ao contrário do que defende o TJ-MG, é possível aplicar o princípio da insignificância, inclusive em casos excepcionais de réu reincidente. “Mas, quando se trata de alguém com vinte páginas de incidências penais, tenho a preocupação de estarmos, digamos, autorizando a continuidade desse tipo de comportamento”, complementou.
Também ficou vencido o ministro Antonio Saldanha Palheiro, para quem não há como reconhecer o reduzido grau de reprovabilidade ou a mínima ofensividade da conduta.
“O princípio da insignificância busca obstar que desvios de conduta irrisórios e manifestamente irrelevantes sejam alcançados pelo Direito Penal. Não objetiva resguardar condutas habituais juridicamente desvirtuadas, pois comportamentos contrários à lei, ainda que soladamente irrisórios, quando transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida, perdem a característica de bagatela e devem sujeitar-se ao Direito Penal”, explicou.
REsp 1.977.132
Fonte: Conjur