STJ anula condenação baseada em invasão de domicílio sem razão nem consentimento

STJ anula condenação baseada em invasão de domicílio sem razão nem consentimento

Sem ordem judicial, fundadas razões ou consentimento válido, a polícia não pode ingressar no domicílio de um suspeito. Com esse entendimento, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, reconheceu a ilicitude de provas obtidas na invasão e absolveu um acusado de tráfico de drogas. A decisão é de 2 de outubro.

Após a investigação, policiais civis do Rio de Janeiro localizaram a casa do acusado. Eles ingressaram no imóvel e acharam “farta quantidade de substância entorpecente, matéria prima e material destinado à preparação das referidas substâncias”, conforme a denúncia. O homem disse que tinha investido R$ 15 mil em material para produção e venda de drogas a clientes com alto poder aquisitivo. Ele foi preso em flagrante e condenado.

O Tribunal de Justiça do Rio validou as provas, apontando que os motivos para o ingresso dos policiais na residência do paciente foram a existência de notícia anônima acerca da possível prática de tráfico de drogas no local e suposta autorização dada pelo réu para o ingresso dos policiais no domicílio.

A defesa do réu, comandada pelo advogado Hugo dos Santos Novais, impetrou Habeas Corpus ao STJ sustentando que que a condenação foi baseada em provas ilícitas, obtidas por meio de ingresso em seu domicílio sem que houvesse justa causa para a medida.

Abuso de poder

Em sua decisão, Rogerio Schietti Cruz destacou que o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados” (RE 603.616).

A 6ª Turma do STJ refinou esse entendimento e decidiu que não se há de admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida (REsp 1.574.681).

“No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário tenha a autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente cometimento de crime no local onde a diligência vai ser cumprida, e não mera desconfiança fulcrada, por exemplo, na fuga de indivíduo de uma ronda policial, comportamento que pode ser atribuído a várias causas que não, necessariamente, a de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente ou mesmo carregando consigo ilegalmente arma de fogo”, explicou o ministro.

No caso, Schietti disse que a polícia não executou nenhuma diligência prévia para apurar a veracidade e a plausibilidade da denúncia anônima de que o réu traficava drogas. Ele lembrou que, no julgamento do tema 280 de repercussão geral do STF, constou do voto do relator, Gilmar Mendes, a impossibilidade de considerar denúncias anônimas como justa causa para o ingresso em domicílio.

Sem consentimento

Além disso, pontou o magistrado, a 6ª Turma do STJ fixou que o consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados a crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. E cabe ao Estado o ônus de provar a autorização (HC 598.051).

“No entanto, não há, no caso dos autos, comprovação, nos moldes delimitados no precedente anteriormente citado, do consentimento do acusado para o ingresso dos policiais no domicílio. Com efeito, soa inverossímil a versão policial, ao narrar que o réu teria franqueado a entrada no domicílio. Ora, um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade de tal versão. Pelas circunstâncias em que ocorreram os fatos — quantidade de policiais, armados etc. —, não se mostra crível a voluntariedade e a liberdade para consentir no ingresso”, afirmou o ministro.

Ele também declarou que não houve preocupação os policiais em documentar o suposto consentimento do réu no ingresso em sua casa, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.

“Por conseguinte, inadmissíveis também as provas derivadas da conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de objetos ilícitos. Não se pode, evidentemente, admitir que o aleatório subsequente, fruto do ilícito, conduza à licitude das provas produzidas pela invasão ilegítima”, disse Schietti.

HC 907.735

Com informações do Conjur

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