Na execução de cotas de condomínio de um prédio de apartamentos (ou de qualquer outro condomínio edilício), é possível a penhora do imóvel que originou a dívida, mesmo que ele esteja financiado com alienação fiduciária, em razão da natureza propter rem do débito condominial, prevista no artigo 1.345 do Código Civil.
Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, deu provimento a um recurso especial para permitir a penhora, mas considerou necessário que o condomínio exequente promova a citação do banco (credor fiduciário), além do devedor fiduciante. O acórdão foi publicado nesta terça-feira (12).
Se quiser pagar a dívida para evitar o leilão, já que é a proprietária do imóvel, a instituição financeira poderá depois ajuizar ação de regresso contra o condômino executado. A decisão da Quarta Turma representa uma mudança em relação à jurisprudência adotada até aqui pelo STJ.
De acordo com o ministro Raul Araújo, cujo voto prevaleceu no julgamento, o entendimento de que a penhora só poderia atingir os direitos relativos à posição do devedor fiduciante no contrato de alienação fiduciária, sem alcançar o próprio imóvel, é válido para qualquer outro credor do condômino, mas não para o condomínio na execução de cotas condominiais. Neste caso, em razão da natureza propter rem da dívida, é necessária a citação do banco.
Credor fiduciário não pode ter mais direitos do que o proprietário pleno
Para o ministro, as normas que regulam a alienação fiduciária não se sobrepõem aos direitos de terceiros que não fazem parte do contrato de financiamento – como, no caso, o condomínio credor da dívida condominial, a qual conserva sua natureza jurídica propter rem.
“A natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, proprietário sujeito a uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno”, afirmou o ministro.
Segundo ele, seria uma situação confortável para o devedor das cotas condominiais se o imóvel não pudesse ser penhorado devido à alienação fiduciária, e também para a instituição financeira, caso o devedor fiduciante estivesse em dia com a quitação do financiamento mesmo devendo as taxas do condomínio.
“Cabe a todo credor fiduciário, para seu melhor resguardo, estabelecer, no respectivo contrato, não só a obrigação de o devedor fiduciante pagar a própria prestação inerente ao financiamento, como também de apresentar mensalmente a comprovação da quitação da dívida relativa ao condomínio”, destacou.
Prejuízo teria de ser suportado pelos demais condôminos
O caso analisado pelos ministros é de um condomínio edilício: um prédio de apartamentos com unidades privativas e áreas comuns. O condomínio ajuizou a cobrança das cotas em atraso de uma das unidades, mas não teve sucesso em primeira e segunda instâncias.
Ao negar o pedido de penhora do apartamento, a Justiça estadual citou decisões do STJ no sentido de que, como o bem em questão não integra o patrimônio do devedor fiduciante, que apenas detém a sua posse direta, não pode ser objeto de constrição em execuções movidas por terceiros contra ele, ainda que a dívida tenha natureza propter rem.
“Não faz sentido esse absurdo. Qualquer proprietário comum de um imóvel existente num condomínio edilício se submete à obrigação de pagar as despesas. Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo credor fiduciário, elas serão suportadas pelos outros condôminos, o que, sabemos, não é justo, não é correto”, declarou o ministro Raul Araújo ao votar pela possibilidade da penhora.
Ele disse que a interpretação que vem sendo dada a situações semelhantes é “equivocada e sem apoio em boa lógica jurídica”, pois estende proteções de legislação especial a terceiros não contratantes, além de conferir ao banco uma condição mais privilegiada que o direito de propriedade pleno de qualquer condômino sujeito a penhora por falta de pagamento das cotas do condomínio.
Raul Araújo concluiu que a melhor solução é integrar todas as partes na execução, para que se possa encontrar uma solução adequada. “Não se pode simplesmente colocar sobre os ombros dos demais condôminos – que é o que irá acontecer – o dever de arcarem com a dívida que é, afinal de contas, obrigação tocante ao imediato interesse de qualquer proprietário de unidade em condomínio vertical”, afirmou.
Leia o acórdão no REsp 2.059.278