Um pedido de destaque do ministro Flávio Dino interrompeu, na última sexta-feira (21/2), o julgamento de repercussão geral em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal discute a validade das provas obtidas em aparelho celular encontrado no local do crime e se a perícia viola o sigilo telefônico.
Com isso, a análise do caso será reiniciada em sessão presencial, ainda sem data marcada. Até então, o julgamento era virtual, com término previsto para a próxima sexta (28/2). Antes da interrupção, seis ministros haviam votado, com diferentes entendimentos.
O caso
O réu na ação foi denunciado por roubo no Rio de Janeiro, depois de agredir uma mulher na saída de uma agência bancária e levar sua bolsa. Na fuga, deixou o celular cair. A vítima pegou o aparelho e o levou à delegacia, onde os policiais acessaram a lista de contatos e o registro de ligações.
Os policiais usaram o nome do contato da última ligação efetuada e encontraram o registro de uma visita a uma unidade prisional. Depois, imprimiram a foto do detento que recebeu a visita e mostraram à vítima, que reconheceu o criminoso. Ele foi preso no dia seguinte.
Apesar da condenação em primeiro grau, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro absolveu o réu. Os desembargadores apontaram a “flagrante e indisfarçável quebra da proteção constitucional incidente sobre a inviolabilidade do sigilo dos dados e das comunicações telefônicas ali existentes”.
Não pode acessar
Inicialmente, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, entendeu que não havia ilegalidade no ato dos policiais, pois não houve acesso a dados decorrentes de comunicação.
Após a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes, no entanto, Toffoli reajustou o voto. Para ele, a autoridade policial só pode acessar os dados dos celulares se tiver autorização judicial. O ministro Luiz Edson Fachin seguiu o voto reajustado.
“O requerimento formal possibilitará ao Juízo sopesar, diante das peculiaridades e circunstâncias do caso concreto, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito da medida, estabelecendo a abrangência da extração e da análise dos dados coletados e, especialmente, assegurará a lisura da cadeia de custódia das provas porventura obtidas a partir daí”, afirmou o relator.
O voto de Gilmar
O decano do STF destacou que a evolução da tecnologia transformou os celulares em locais de registro amplo de informações.
De início, o voto do decano abria divergência e era acompanhado também por Fachin. Apesar de apresentarem teses diferentes, tanto Gilmar quanto Toffoli consideram que o acesso aos dados depende de autorização judicial.
Se por um lado esses avanços tecnológicos são importantes e devem ser utilizados para a segurança dos cidadãos e a elucidação de delitos, por outro deve-se ter cautela, limites e controles para não transformar o Estado policial em um Estado espião e onipresente, segundo Gilmar.
“Não se mostra viável conferir acesso parcial às informações contidas nos aparelhos celulares, uma vez que tal posicionamento acarretaria o enfraquecimento do grau de proteção que deve ser conferido a partir das normas constitucionais e legais aplicáveis ao caso, possibilitando abusos e acessos indevidos que poderiam ser inclusive escamoteados”, concluiu o ministro.
Ressalva
Dino acompanhou o relator quanto à necessidade de decisão judicial, mas fez uma ressalva. Para ele, não é necessária a autorização do Judiciário para a apreensão do celular e a determinação de preservação (também chamada de “congelamento”) dos dados e metadados dos suspeitos ou investigados.
“Não há previsão de reserva de jurisdição para a apreensão de aparelhos celulares que estejam na cena de um crime ou com pessoa presa em flagrante”, destacou. Na sua visão, exigir tal medida inviabilizaria o trabalho da polícia e violaria o direito fundamental à segurança pública.
O magistrado ainda explicou que o “congelamento” dos dados apenas impede que a prova seja eliminada. Nesse momento, não há conhecimento do conteúdo das informações preservadas. O acesso a elas depende de ordem judicial.
Já Cristiano Zanin fez a mesma ressalva, mas com relação somente à apreensão do celular. Ele acrescentou que, quando houver acesso não consentido aos dados do celular, a polícia deve atuar com rapidez e o Judiciário deve analisar com prioridade pedidos do tipo, inclusive em regime de plantão.
Para o ministro, a preservação dos dados só será possível antes da autorização judicial de forma excepcional. Nesses casos, a polícia deve justificar o receio de que os dados sejam eliminados e demonstrar que não houve nenhum outro tratamento deles.
Pode acessar
Já o ministro Luís Roberto Barroso divergiu e entendeu que a polícia não precisa de autorização judicial para examinar os registros das últimas chamadas e a agenda de contatos telefônicos armazenados em um celular abandonado pelo acusado no local do crime.
Para o presidente da Corte, embora a proteção dos dados pessoais seja um direito fundamental, ela não impede o “regular funcionamento da atividade estatal de apuração das infrações penais”, ainda mais nos casos em que as investigações se limitam à análise de dados estáticos em celular descartado na cena do crime.
ARE 1.042.075
Com informações do Conjur