O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início, na manhã desta terça-feira (22), à audiência pública que debate o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo.
A proposta é colher informações técnicas e especializadas para subsidiar o Tribunal no julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7662 e 7675) apresentadas contra a lei estadual que institui o programa nas escolas públicas estaduais e municipais de educação básica (Lei Complementar nº 1.398/2024 do Estado de São Paulo). Ao todo, 14 especialistas foram ouvidos na primeira parte da audiência, pela manhã, e outros 21 participantes estão previstos para a tarde.
Lucas Sachsida, representante do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG)
Lucas Sachsida afirmou que as escolas cívico-militares ferem inúmeras regras da Constituição. Citou como exemplo o princípio da gestão democrática de ensino e o Plano Nacional de Educação. Para ele, as escolas devem ser construídas como ambientes plurais, de desconstrução de desigualdades.
Gabriele Bezerra, do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Gabriela Bezerra ressaltou que a conversão de escolas para o modelo cívico-militar não consta dos planos nacionais ou estaduais de educação como meta ou estratégia de melhoria da qualidade de ensino. Segundo ela, a indisciplina no ambiente escolar é multifatorial e precisa ser enfrentada com intervenções pedagógicas articuladas.
Nágila Brandão, tenente-coronel e representante da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso
Nágila Brandão afirmou que as escolas cívico-militares são mais um tipo de modalidade de ensino, como as escolas indígenas e quilombolas. Para ela, a realidade de unidades da federação com fronteira, que enfrentam o crime organizado e o tráfico de drogas, exige respostas diversas.
Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo
Élida Graziane acredita que a lei complementar estadual sobre o programa de escola cívico-militares invade a competência privativa da União para definir o que é ou não despesa para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Segundo ela, o STF já decidiu que recursos destinados à educação não podem ser usados para despesas de outras áreas.
Kelsen Tonelo, representante da Secretaria de Educação do Estado do Paraná
Kelsen Tonelo apresentou as regras seguidas pelas escolas cívico-militares no estado, como as normas constitucionais, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ela ressaltou que, entre os objetivos desse tipo de escola, está o de promover a responsabilidade, a autodisciplina, o respeito a normas e o patriotismo. E defendeu os impactos das escolas cívico-militares ao observar que trouxeram melhoria na frequência dos alunos, aumento de matrículas e avaliações positivas dos pais e responsáveis.
Simão Pedro, deputado estadual (PT-SP)
Para o deputado, atuação de militares nas escolas é tão estranha quanto a atuação de professores nos quarteis. Para ele, a educação é a formação para a autonomia, autorresponsabilidade e para a vida, enquanto o ensino militar se orienta para a simples obediência, supressão da vontade individual e se destina à guerra.
Tenente Coimbra afirmou que esse tipo de ensino não é uma imposição, mas uma escolha da comunidade escolar. Acrescentou que esse modelo, presente hoje em 500 escolas no Brasil, tem aprovação de 70% dos usuários. Para ele, o modelo de ensino precisa de uma decisão do STF para ter continuidade com segurança jurídica.
Denise Carreira, representante da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP)
Denise Carreira afirmou que pesquisas acadêmicas têm mapeado aspectos dos programas de escola cívico-militares que ferem o direito à educação e demais direitos humanos. Relatou casos de perseguição a profissionais de educação e a estudantes que questionam a ordem militar e a censura a conteúdos críticos, como os relacionados à história brasileira, à diversidade sexual e às mudanças climáticas.
Guto Zacarias, deputado estadual (União-SP)
Segundo o deputado, dados mostram que o Brasil está nas últimas colocações em matemática, leitura e ciência no ranking do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que avalia 79 países. Para ele, as escolas cívico-militares no Estado São Paulo contam com aprovação da maioria de pais e professores, além de apresentar redução em eventos de violência física, ataques verbais, vandalismo, evasão e abandono escolar.
Maria Izabel Azevedo Norinha (professora Bebel), deputada estadual (PT-SP)
A professora Bebel afirmou que a escola é um local de persuasão, convencimento e educação, ambiente que não combina com a presença de militares. Para ela, é preciso resolver o problema crônico do não investimento na educação pública de qualidade, desde a formação dos profissionais de educação à valorização da categoria.
Salomão Barros, representante da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Salomão Barros afirmou que nenhuma instituição de pesquisa em educação de referência no Brasil e no mundo defende a militarização das escolas como solução para a área. Para ele, o modelo não é uma saída aceitável do ponto de vista científico, pedagógico e da Constituição Federal, além de colocar o país na contramão mundial do que é o direito à educação.
Carlos Henrique de Campos, deputado estadual (PL-MG)
De acordo com o Coronel Henrique, a participação militar na educação não é nova, começou no Império quando Dom Pedro II criou o Colégio Militar do Rio de Janeiro por decreto. Na sua avaliação, o modelo cívico-militar prioriza a disciplina, o patriotismo, o respeito ao professor e a qualidade de ensino. E afirmou que os números demonstram o sucesso do modelo, a partir da avaliação do ranking do IDEB.
Fábio Santos de Moraes, do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp)
Fábio Santos afirmou que o seguimento militar na área educacional não vai melhorar a qualidade da educação, que necessita de professores com melhores condições de trabalho. Para ele, a lei que instituiu o modelo em São Paulo agride o ambiente educativo, que deve ser plural e democrático, além de ser uma “clara tentativa” de imposição de pensamento único para criminalizar juventude da periferia.
Gilson Passos de Oliveira, ex-diretor do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares e consultor da SEDUC/SP
Gilson Passos disse que o programa não militariza, não é autoritário e não está pautado na hierarquia e na disciplina. Destacou que, de acordo com a LDB, as modalidades de ensino têm públicos, conteúdos e processos de ensino diferentes, como escolas indígenas, quilombolas, profissionalizantes e ensino à distância. Assim, a escola cívico-militar, que tem o mesmo público, conteúdo, processo de aprendizagem da escola tradicional, não é uma nova modalidade de ensino no país.
Com informações do STF