Com decisão do Ministro Luis Felipe Salomão, que admitiu a subida de Recurso Extraordinário, a legalidade da entrada da polícia em domicílio sem mandado judicial, por suspeita de tráfico de drogas e com base em denúncia anônima, poderá voltar à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF).
O caso é de iniciativa do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), que busca reverter decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferida com voto do Ministro Rogério Schietti, que anulou condenação por reconhecer a ilicitude das provas obtidas.
A controvérsia se originou a partir da condenação de Jhonnatan Nogueira da Silva, em sentença da Vara Especializada em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes (Vecute), a seis anos de reclusão, por tráfico de drogas. A condenação teve por base a apreensão de entorpecentes no interior de sua residência, em Manaus, no ano de 2022.
A defesa do réu impugnou a validade das provas, alegando que o ingresso domiciliar foi ilegal. O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), com voto do Desembargador Anselmo Chíxaro, manteve a condenação, por entender que havia justa causa para a entrada forçada em caso de flagrante delito por crime permanente, pois foi sustentada em fundadas razões.
Contra esse acórdão, a defesa interpôs Recurso Especial, inadmitido pelo TJAM, o que motivou agravo ao STJ. Ao julgar o agravo, o Ministro Rogério Schietti deu parcial provimento ao recurso especial, reconhecendo a ilicitude das provas obtidas no interior do imóvel.
Segundo Schietti, nem a denúncia anônima, nem a fuga do suspeito, tampouco a apreensão de pequena quantidade de drogas em via pública justificariam, isolada ou cumulativamente, a mitigação da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio. Em seu voto, o relator aplicou a doutrina da “árvore dos frutos envenenados”, determinando o desentranhamento das provas ilícitas. Apesar disso, afastou a absolvição sumária do réu, destacando que houve apreensão válida em busca pessoal, não impugnada pela defesa. Assim, anulou o acórdão e determinou ao TJAM que proferisse nova decisão.
Diante desse cenário, o MP-AM interpôs Recurso Extraordinário, sustentando que a conjugação entre a denúncia anônima específica, a fuga do investigado e a prévia apreensão de drogas configurou situação de flagrante, apta à justificação da medida invasiva.
A Procuradoria-Geral de Justiça do Amazonas (PGJ/AM), com iniciativa da Procudora Anabel Mendonça, argumenta que a decisão do STJ diverge da tese vinculante firmada no Tema 280 da Repercussão Geral do STF, segundo a qual o ingresso domiciliar pode ocorrer sem mandado judicial nos casos de flagrante delito, desde que existam fundadas razões, sujeitas ao controle judicial posterior.
O MP-AM requer a reforma da decisão do STJ, com o restabelecimento da condenação, sob o argumento de que a entrada no domicílio foi legal e amparada pela jurisprudência constitucional vigente.
Ao examinar a admissibilidade do recurso, o Ministro Luis Felipe Salomão considerou que a matéria possui relevância constitucional e que a interpretação adotada pelo STJ pode estar em aparente desconformidade com os precedentes da Suprema Corte. Por esse motivo, admitiu o Recurso Extraordinário, remetendo o feito ao STF para julgamento de mérito, sem necessidade de retratação pelo colegiado que proferiu a decisão recorrida.
Com isso, caberá ao STF definir se houve violação ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, bem como esclarecer se a interpretação conferida pelo STJ ao Tema 280 deve prevalecer ou ser revista no caso concreto. A decisão poderá ter efeitos relevantes para outras ações envolvendo flagrante por crime permanente, como o tráfico de drogas, em que a legalidade da busca domiciliar sem mandado judicial é objeto de disputa.
O tema 280, STF, fixou a seguinte tese: “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.
Processo n. 0639981-30.2022.8.04.0001