Por João de Holanda Farias, Advogado
A reportagem da The Economist, ao colocar o Supremo Tribunal Federal (STF) sob os holofotes internacionais, lança luz sobre uma tensão que há muito permeia o debate institucional brasileiro: até que ponto a atuação afirmativa do Judiciário em contextos de crise é compatível com a contenção que se espera de uma Corte constitucional?
Não se trata de negar a gravidade das ameaças à ordem democrática — que de fato existiram e foram documentadas, desde ataques às sedes dos Três Poderes até planos de violência política contra autoridades públicas. Tampouco se trata de deslegitimar a atuação firme de ministros como Alexandre de Moraes, cuja condução de medidas emergenciais se deu em meio a uma conjuntura excepcional. Mas o que está em jogo aqui é o grau de protagonismo judicial que uma democracia em amadurecimento pode suportar sem comprometer a autoridade que sustenta sua legitimidade.
O ativismo necessário não está imune a críticas. A fronteira entre o exercício legítimo da jurisdição constitucional e o ativismo desmedido é estreita — e o risco de ultrapassá-la não é teórico. Quando decisões monocráticas de grande impacto se sucedem, quando ministros se tornam figuras recorrentes do debate público e quando medidas judiciais são percebidas como formas de controle do discurso político, instala-se um processo de erosão institucional silenciosa: a Corte começa a ser vista menos como instância de justiça e mais como polo de poder em disputa.
A crítica da The Economist não acerta em tudo — ignora, por exemplo, o contexto de violência política que exigiu do Supremo uma postura firme. Mas acerta ao sinalizar que o Judiciário precisa equilibrar coragem com autocontenção, especialmente quando atua em nome da defesa da democracia. A confiança pública, afinal, não nasce apenas da correção formal das decisões, mas da sua capacidade de produzir estabilidade e previsibilidade num cenário de constante tensão política.
A defesa institucional feita pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, foi tecnicamente precisa e politicamente necessária. Ressaltar que as decisões mais polêmicas foram referendadas pelo colegiado e que a legalidade foi observada é importante. No entanto, a legalidade por si só não esgota o debate. A legitimidade do Judiciário se afirma também pela sua capacidade de se comunicar com a sociedade civil de forma clara, proporcional e não reativa.
A Corte não está em crise, mas está sob teste — o teste da contenção. O STF já demonstrou que sabe ser firme. Agora, precisa demonstrar que sabe ser moderado. Porque o verdadeiro poder de uma Corte Constitucional não está apenas na sua caneta, mas na confiança que inspira — sobretudo quando decide recuar, mesmo podendo avançar.