A União deve indenizar família de pessoas que foram vítimas de bala perdida durante operação policial nos casos em que, por causa de perícia inconclusiva, não foi possível comprovar a origem do disparo.
O entendimento é do Supremo Tribunal Federal, em julgamento feito no Plenário Virtual entre os dias 1 e 8 de março.
O caso envolve um homem morto em 2015 por projétil de arma de fogo durante troca de tiros envolvendo a Força de Pacificação do Exército. O episódio ocorreu no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. O laudo sobre a origem do disparo foi inconclusivo.
Embora o caso tenha repercussão geral, o Supremo ainda não definiu tese. Isso porque nenhuma das propostas teve maioria de 6 votos. Segundo a corte, a definição deve ocorrer em sessão presencial, ainda sem data marcada.
Há maioria, no entanto, para reconhecer, ainda que de modo diverso, a responsabilidade da União por mortes durante operação policial em casos de perícia inconclusiva sobre a origem do disparo.
No processo, a família da vítima moveu ação contra os governos federal e do estado do Rio. A solicitação de indenização foi rejeitada em primeira instância porque a perícia sobre de onde partiu a bala não chegou a um resultado. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região manteve a decisão.
Voto do relator
O relator, ministro Edson Fachin, entendeu que há responsabilidade do Estado e da União por mortes durante operações de segurança pública quando não há perícia conclusiva. Ele foi acompanhado por Rosa Weber (aposentada), Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Fachin votou por condenar a União e o Estado do Rio, de forma solidária, , a ressarcir as despesas com o funeral e pagar indenização de R$ 100 mil para o irmão da vítima e de R$ 200 mil para cada um dos pais, além de pensões vitalícia no valor de um terço do salário mínimo, com 13º, férias e gratificações.
O ministro entendeu que há responsabilidade da União, já que a Força de Pacificação do Exército participou do tiroteio, e que há responsabilidade do governo do Rio, porque descumpriu o dever de investigar a morte.
Segundo ele, é desnecessário saber se a bala partiu da arma do agente de segurança pública ou de quem o confrontava. Se houve troca de tiros, a ação dos agentes contribuiu de forma decisiva para o dano.
“Para configurar o nexo de causalidade, não é necessário saber se o projétil proveio da arma dos militares do Exército ou dos confrontados, mas sim se houve operação da Força de Pacificação no momento e no local em que a vítima foi atingida”, explicou.
A partir do relatório feito pela Polícia Civil, o ministro concluiu que a ação dos militares desencadeou a troca de tiros. Se a investida da Força de Pacificação não ocorresse, não haveria tiroteio.
Para Fachin, o Exército assumiu o risco ao iniciar uma operação em um local habitado. Assim, descumpriu seu dever de diligência. “O fato gerador do dano não é o projétil em si, mas sim a operação da Força de Pacificação”, afirmou.
O ministro propôs a seguinte tese:
“Sem perícia conclusiva que afaste o nexo, há responsabilidade do Estado pelas causalidades em operações de segurança pública.”
Teoria do risco administrativo
Cristiano Zanin concordou em boa parte com a ideia de Fachin, mas sugeriu uma redação diferente para a tese — pois, segundo ele, o caso concreto envolveu não apenas a perícia inconclusiva, mas também “a ausência de demonstração de hipótese de excludente de responsabilidade por parte do Estado”. Foi acompanhado por Luís Roberto Barroso, presidente da Corte.
A conclusão de sua tese foi a perícia inconclusiva sobre a origem do disparo fatal em operações policiais e militares “não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado”.
Zanin ainda divergiu na resolução do caso concreto. Ele entendeu que o governo estadual não poderia ser responsabilizado pela morte, já que não há registro de operação da Polícia Militar do Rio de Janeiro no dia em questão.
“Eventual falha em cumprir, com diligência, a investigação dos fatos é causa autônoma e posterior à responsabilidade aqui tratada, não contemplada na petição inicial, podendo ser objeto, se o caso, de medida judicial própria”, acrescentou.
Quanto à tese, entendeu que a teoria do risco administrativo é a regra para a responsabilidade civil do Estado conforme a própria jurisprudência do STF.
Segundo essa teoria, o Estado tem responsabilidade quando há ato ou omissão, dano indenizável e nexo causal entre o comportamento e o dano. Mas o Estado também pode ser isentado de responsabilidade caso demonstre que não houve tal nexo.
“Havendo a demonstração da causa da morte por disparo e demonstrada sua conexão com a operação policial com uso de armas de fogo, há elementos indicativos da responsabilidade do Estado, a quem competirá, se o caso, comprovar a interrupção do nexo causal”, continuou. Ele propôs a seguinte tese:
“1) A responsabilidade civil do Estado, na forma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, opera sob a teoria do risco administrativo, cabendo a oposição, se o caso, de excludentes de responsabilidade pelo ente federativo;
2) A perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal durante operações policiais e militares não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado.”
Perícia impossível
André Mendonça divergiu do relator e propôs a tese de que o Estado é responsável pela morte de vítimas de disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares em comunidades quando a perícia é inconclusiva quanto à origem do disparo, “desde que se mostre plausível o alvejamento por agente de segurança pública”.
Segundo ele, o Estado pode ser isento se demonstrar que houve “total impossibilidade da perícia” para esclarecer os fatos e que houve uso de todos os instrumentos técnicos disponíveis. O ministro foi acompanhado por Dias Toffoli.
Ele votou por condenar só a União a pagar a Indenização, pois não haveria provas de participação da Polícia Militar no tiroteio.
O ministro se opôs à tese de que o Estado assume o risco por operações policiais em áreas nas quais o crime organizado se estabelece.
Segundo ele, “não se pode estabelecer a priori um critério para caracterização do caso fortuito e da força maior”. Em vez disso, é preciso analisar, caso a caso, as condições em que o evento ocorreu e se o fato era imprevisível ou inevitável.
Propôs a seguinte tese:
1 – O Estado é responsável por morte de vítima de disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares em comunidade quando a perícia que determina a origem do disparo for inconclusiva, desde que se mostre plausível o alvejamento por agente de segurança pública.
2- Poderá o Estado se eximir da responsabilização civil, caso demonstre a total impossibilidade da perícia, mediante o emprego tempestivo dos instrumentos técnicos disponíveis, para elucidação dos fatos
Origem do projétil
Alexandre de Moraes também divergiu do relator. Para ele, só é possível responsabilizar o Estado por mortes decorrentes de disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares em comunidades quando for comprovado que a bala partiu dos agentes estatais. Foi seguido por Luiz Fux.
Segundo o ministro, só há responsabilidade civil em relação aos efeitos diretos e imediatos causados pela conduta do agente do Estado — ou seja, nos casos em que o dano é causado de forma direta e imediata pelo evento.
Alexandre ressaltou que as operações policiais precisam ser planejadas e bem estruturadas, mas indicou que “as forças militares não têm como atuar na repressão do crime organizado sem adentrar nas comunidades, onde o imponderável estará sempre presente por mais bem estruturada que seja a missão”.
Propôs a seguinte tese:
“A responsabilidade estatal por morte de vítima, por disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares em comunidade, pressupõe a comprovação de que o projétil partiu dos agentes do Estado”
Fonte Conjur