O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de trechos das Constituições dos estados do Rio de Janeiro, Maranhão e Mato Grosso do Sul, que estabeleciam o foro especial para servidores públicos, como delegados de polícia e defensores públicos, em contrariedade às hipóteses previstas na Constituição. As decisões se deram no Plenário Virtual. Os ministros deliberaram em resposta às ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 6.505, 6.507 e 6.509, propostas pela Procuradoria-Geral da República.
Na ADI 6.505, o objeto da inconstitucionalidade foi trecho da Constituição fluminense (art. 161, IV, “d”, inciso II) que, contrariando a jurisprudência do STF, estendeu indevidamente o foro por prerrogativa de função aos membros da Defensoria Pública, a procuradores do Estado, procuradores da Assembleia Legislativa e a delegados de polícia. Segundo o dispositivo, os membros dessas carreiras deveriam ser julgados no Tribunal de Justiça daquele estado, e não na primeira instância, como determina a regra constitucional e a jurisprudência do Supremo.
Na argumentação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, apontou a Constituição de 1988 como a matriz de onde emanam todas as regras sobre foro por prerrogativa de função. Seguindo o comando constitucional, fazem jus ao foro especial os seguintes agentes políticos: presidente e vice-presidente da República; deputados federais e senadores; ministros do STF; procurador-geral da República; ministro de Estado; advogado-geral da União; comandantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica; ministros dos tribunais superiores; ministros do Tribunal de Contas da União, chefes de missão diplomática de caráter permanente; governadores; desembargadores (dos tribunais de Justiça e tribunais regionais Federal e do Trabalho; membros do Tribunal Regional Eleitoral; conselheiros dos Tribunais de Contas; membros do Ministério Público brasileiro; magistrados e prefeitos.
Por outro lado, a Constituição Federal não estabelece prerrogativa de foro relativamente aos integrantes da Defensoria Pública da União, da Advocacia-Geral da União (exceto no que concerne ao próprio advogado-geral da União), dos advogados da Câmara ou do Senado e dos delegados federais, não se justificando, portanto, tratamento diverso quanto àqueles ligados aos Estados federados. Dessa forma, por não haver equivalência entre defensores estaduais e federais, procuradores estaduais e membros da AGU, procuradores da Assembleia Legislativa e advogados das casas do Congresso Nacional, delegados de polícia e delegados federais, já que as autoridades federais são julgadas no primeiro grau de jurisdição, há violação ao princípio da simetria.
Essa inovação trazida pelo ato normativo estadual, no entendimento do PGR, viola ainda o princípio da isonomia, na medida em que tratamento desigual é atribuído a pessoas que se encontram em situação idêntica. Ou seja, trata-se de servidores públicos, não qualificados como agentes políticos, que, portanto, devem ser processados e julgados no 1º grau de jurisdição. “A discriminação operada entre servidores públicos, que possuem os mesmos deveres e responsabilidades, traduz desvirtuamento de uma prerrogativa propter ofcium. Se banalizado para alcançar autoridades não equivalentes àquelas apontadas pela Constituição de 1988, o foro especial se convola em um privilégio”, afirmou.
Já na ADI 6.507, o pedido se volta contra trecho da Constituição de Mato Grosso do Sul. O artigo 114, inciso II, alínea “a” do diploma legal fixa o foro especial aos membros da Defensoria Pública e aos procuradores do Estado. A ADI 6.509, por sua vez, questiona as emendas 23 e 24 da Constituição do Maranhão, que estenderam indevidamente o foro por prerrogativa de função ao defensor público-geral do Estado. Também em ambos os casos, Aras reforça a impossibilidade de alargamento do foro. Em reforço ao argumento, cita a jurisprudência consolidada do Supremo, no sentido de que o foro especial não é extensível aos defensores.
“O indevido alargamento do elenco de autoridades submetidas ao foro por prerrogativa de função viola o princípio do juiz natural (artigo 5º, inciso LIII, da Constituição Federal), considerando que as regras de competência absoluta são redesenhadas pelas constituições estaduais. Na prática, ao fazê-lo, cartas estaduais estão derrogando a legislação processual penal codificada”, complementou Aras.
Fonte: Asscom MPF