As razões que convencem o magistrado a condenar pela prática do crime devem guardar coerência ou correlação lógica com o desfecho/disposição da sentença que retira do réu o direito à liberdade. Havendo contradição entre os fundamentos e a conclusão final há erro imperdoável do Juiz, com verdadeira decisão suicida por vício insanável a configurar nulidade processual de natureza absoluta.
Ao conhecer de matéria que impõe a correção de erro judicial de ofício em exame de recurso do réu, o Desembargador José Hamilton Saraiva dos Santos, do TJAM, anulou sentença condenatória do Juízo do 2º Tribunal do Júri de Manaus. O réu indicou que após desclassificação do crime pelo Tribunal do Júri, o magistrado o condenou a pena de 14 anos de prisão.
O réu pediu apenas que fosse revista a quantidade de pena. Hamilton Saraiva, no exame do caderno processual observou haver nulidade absoluta da sentença condenatória e, de ofício, emitiu posição sobre a necessidade de se cassar a sentença. O voto foi seguido à unanimidade pelos Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, devolvendo-se os autos a origem para que o Juiz emita outra decisão e corrija o erro.
Segundo a acusação, primeiramente o acusado deu um golpe mata leão na vítima e ateou fogo em seu corpo. A vítima não faleceu, mas se evidenciou que quando esteve desfalecida o acusado também subtraiu alguns de seus pertences.
Durante a votação, os jurados, em sua maioria responderam negativamente ao fato do réu ter dado início a eliminação da vida da vítima, fato ocorrido no ano de 2016, operando-se a desclassificação do fato imputado para outro tipo penal. Os jurados concluíram que o réu pretendia roubar e não matar. Assim, a causa deveria ser decidida diretamente pelo Juiz Presidente.
Segundo o relator, ao fundamentar a sentença o Juiz embasou a condenação do réu pela prática do crime de tentativa de roubo qualificado pelo resultado morte, tipificado no art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal, fazendo uso da expressão latrocínio, dispondo que o réu teve clara intenção de matar a vítima.
“Todavia, muito embora as razões de decidir hajam declinado o cometimento do delito de Latrocínio Tentado, o juiz de 1ª Instância considerou o réu como incurso nas penas do art. 157, § 3º, inciso I, do Código Penal, concluindo pela prática do crime de Roubo Qualificado por Lesão Corporal Grave, na forma consumada”, enfatizou o Relator.
“Apesar de serem figuras delitivas previstas no mesmo artigo de lei, vale dizer, no art. 157, § 3º, do Código Penal,trata-se, evidentemente, de tipos penais que não se equivalem e cujos resultados qualificam o crime de roubo de forma diversa, inclusive, cominando penas em abstrato notoriamente distintas entre si”, explicou o Relator. .
E arrematou: “Partindo das capitulações legais pertinentes ao caso e,ainda, das lições e conceitos doutrinários a respeito do assunto, depreende-se que o insigne Julgador a quo confundiu a figura do Roubo Qualificado pelo Resultado Morte (Latrocínio) com a do Roubo Qualificado pela Lesão Corporal Grave, tratando-os, equivocadamente, como se fossem a mesma espécie delitiva”, definiu o acórdão, declarando a nulidade com a remessa dos autos à origem a fim de que o magistrado sentenciante corrija a falha jurídica.
Processo:0232244-51.2016.8.04.0001
Leia a ementa:
Apelação Criminal / Homicídio QualificadoRelator(a): José Hamilton Saraiva dos SantosComarca: ManausÓrgão julgador: Primeira Câmara CriminalData do julgamento: 27/01/2024Data de publicação: 27/01/2024Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DELITIVA PELO CORPO DE JURADOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA PELO JUIZ PRESIDENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 492, § 1.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NULIDADE ABSOLUTA RECONHECIDA DE OFÍCIO. RAZÕES DE DECIDIR DECLINANDO A PRÁTICA DE LATROCÍNIO TENTADO (ART. 157, § 3.º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL). CONDENAÇÃO DO ACUSADO PELO COMETIMENTO DO CRIME DE ROUBO QUALIFICADO POR LESÃO CORPORAL GRAVE NA FORMA CONSUMADA (ART. 157, § 3.º, INCISO I, DA LEI SUBSTANTIVA PENAL). CONCLUSÃO DIAMETRALMENTE OPOSTA. FIGURAS TÍPICAS MANIFESTAMENTE DISTINTAS ENTRE SI. FLAGRANTE HIPÓTESE DE SENTENÇA SUICIDA. AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO LÓGICA OU CONGRUÊNCIA ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E O DISPOSITIVO DA DECISÃO. PROPOSIÇÕES INCONCILIÁVEIS. VÍCIO INSANÁVEL. NULIDADE PROCESSUAL ABSOLUTA. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO.