A decisão judicial que determina a inversão do ônus da prova deve ocorrer antes da etapa instrutória. Se o foi em momento posterior – na própria sentença – pode ocorrer ofensa ao devido processo legal
No exame de recurso da Amazonas Energia, a Primeira Câmara Cível anulou sentença que determinou à Concessionária o cancelamento de uma dívida imposta irregularmente ao consumidor por recuperação de consumo e condenou a empresa em R$ 3 mil por danos morais. Os Desembargadores concluíram que o magistrado inverteu o ônus da prova a favor do consumidor somente durante a sentença. Assim, a empresa perdeu a oportunidade de provar que os débitos atribuídos ao cliente estiveram corretos.
O devido processo legal é princípio fundamental. Compete ao autor a prova dos fatos que constituem o direito que diz possuir. É a regra. Quanto ao consumidor, há exceção, ou seja, se atribui ao fornecedor o dever de provar que o direito discutido inexiste, face à facilitação que atenda aos interesses do autor vulnerável. Porém, essa inversão deve ser aplicada pelo Juiz antes da instrução. Se depois, pode ofender o contraditório, exigindo que a instância superior, no cso de recurso, anule o ato judicial.
Segundo o acórdão relatado pelo Desembargador Paulo Cézar Caminha e Lima, do TJAM, o Juízo recorrido reconheceu que a inversão do ônus da prova é regra de instrução, porém a aplicou somente na sentença, fundamentando que as provas nos autos eram suficientes, ao tempo em que declarou que a concessionária não se desincumbiu de seu ônus probatório.
Contudo, como não houve decisão que, antecedentemente à sentença, concedesse a inversão do ônus da prova ao autor, o Juiz não poderia concluir que a concessionária não construiu provas que derrubassem o direito do consumidor quanto à irrealidade das medições, pois esse ônus não foi imposto no momento processual adequado. Assim, sobreveio decisão surpresa, com ofensa ao contraditório e a ampla defesa da empresa, concluíram os Desembargadores.
“A inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, motivo pelo qual a decisão judicial que a determina deve ocorrer antes da etapa instrutória, ou quando proferida em momento posterior, garantir a parte a quem foi imposto o ônus a oportunidade de apresentar suas provas”, sob pena de nulidade por ofensa ao devido processo legal, dispôs o julgamento.
Processo: 0629470-70.2022.8.04.0001
Leia a ementa:
Apelação Cível / Regularidade FormalRelator(a): Paulo César Caminha e LimaComarca: ManausÓrgão julgador: Primeira Câmara CívelData do julgamento: 24/05/2024Data de publicação: 24/05/2024Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. ERRO DE PROCEDIMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA COMO REGRA DE INSTRUÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. RECURSO PREJUDICADO. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO.