Conforme determina a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, quando policiais ingressam em uma residência a partir de denúncia anônima e sem quaisquer diligências prévias, fundadas razões ou outros elementos concretos para amparar a medida, a prova obtida deve ser anulada. Além disso, são necessários o consentimento voluntário do morador e seu registro em texto, áudio e vídeo.
Assim, o ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, anulou provas obtidas por policiais por meio da entrada em um imóvel e absolveu um adolescente acusado de ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas.
Os policiais alegaram ter recebido a informação de que o menor estava traficando drogas na casa em questão. Para averiguar a denúncia recebida, eles foram até o local. Segundo eles, o pai do rapaz autorizou a entrada dos agentes. Cães farejadores encontraram os entorpecentes.
A 2ª Vara Criminal de Avaré (SP) aplicou ao menor a medida socioeducativa de internação. A decisão foi mantida pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
A Defensoria Pública estadual, que representou o adolescente, argumentou que a invasão domiciliar foi ilegal, pois denúncias anônimas não a justificam. Também indicou que o termo de consentimento escrito do morador para a entrada na residência não foi juntado aos autos e que o pai do garoto não confirmou a autorização em juízo.
Parecer do MPF
Em manifestação, o Ministério Público Federal concordou com a Defensoria. Para o órgão, a busca domiciliar “não foi precedida de fundadas razões que a justificavam” e se baseou apenas na informação anônima, “sem qualquer checagem ou apuração”.
O MPF não considerou “factível” imaginar que o adolescente ou seu pai autorizaram a entrada dos policiais no imóvel de forma espontânea e voluntária, visto que sabiam da existência de drogas na casa e da possibilidade de responsabilização.
O órgão ressaltou a “fragilidade da isolada prova oral policial para o fim de se comprovar a autorização do morador para a entrada dos agentes estatais na residência”.
De acordo com o parecer, não há “relação horizontal de poder entre o agente público armado e o cidadão comum”. Este último pode se sentir intimidado diante dos policiais armados que pretendem entrar em sua residência: “Não restam muitas outras opções factíveis senão deixá-los entrar, sobretudo em bairros periféricos, onde a atividade policial costuma prescindir de maior controle”.
O documento ainda destacou a decisão da 6ª Turma do STJ que passou a exigir consentimento voluntário do morador, sem qualquer tipo de constrangimento ou coação, para o ingresso em domicílio. O precedente definiu que essa autorização deve ser feita em declaração assinada (se possível, com testemunhas) e registrada em áudio e vídeo. A 5ª Turma já se alinhou a esse entendimento.
No caso concreto, não houve registro da confissão extrajudicial ou do consentimento de algum dos moradores para que os policiais entrassem na casa.
Fundamentação
Em sua decisão, Sebastião adotou os argumentos da manifestação do MPF. Ele acrescentou que não há prova independente — além daquelas tidas como ilícitas — capaz de manter a condenação.
O ministro ainda apontou que o juiz se limitou a mencionar o suposto consentimento expresso do pai do adolescente para revistar a casa. “Não há nos autos menção direta à autorização por escrito e por gravação para a entrada na residência”, concluiu o ministro.
Jurisprudência vasta
A análise da legalidade da invasão de domicílio por policiais é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ. Caso após caso, elas vêm delineando os limites de identificação de fundadas razões para ingressar na casa de alguém sem mandado judicial.
O STJ já entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por atitude suspeita e nervosismo, cão farejador, perseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.
Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos, após a apreensão de drogas em abordagem na rua e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.
A corte também definiu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.
Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre —, se ocorrer em diligência de suspeita de roubo ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.
HC 844.505
Com informações do Conjur