O exercício da função de diretor de órgão ou entidade sem comprovação de ato doloso afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Essa foi a decisão da 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ao reformar a sentença do Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Piauí (SJPI) que condenou um homem por irregularidades na gestão de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92.
O acusado foi condenado em primeira instância às penas de ressarcimento integral do dano ao erário, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, também pelo prazo de cinco anos. O Colegiado decidiu absolvê-lo por não ficar evidenciado o dolo específico de causar prejuízo ao erário.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), foram constatadas irregularidades nas atividades burocrático-financeiras de uma associação beneficente conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) na qual o homem era diretor clínico na época. A auditoria realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) apontou desvios de recursos federais, o que acarretou prejuízos às finanças do Fundo Nacional de Saúde (FNS/MS).
O réu, em apelação, sustentou que: não houve prova de que ele seria o diretor clínico da associação na época dos fatos; foi absolvido na seara penal; solicitou a perícia grafotécnica na letra que grafou o número do seu CPF nas AIHS para a comparação com a sua, porém ficou silente o juízo e, ainda, não ocorreu dolo ou culpa em sua conduta. Além disso, o denunciado argumentou que o preenchimento puramente mecânico das autorizações de internação hospitalar (AIHs) cabia a terceiros, não aos médicos.
Vontade livre e consciente – O relator, juiz federal convocado pelo TRF1 Marllon Sousa, verificou que houve omissão do juízo na apreciação do pedido de prova. Todavia, a análise do processo demonstra que naquela oportunidade a prova de perícia grafotécnica ainda não havia sido produzida. Além do mais, disse que a absolvição pela seara penal foi concluída pela insuficiência de provas para justificar sua condenação.
Sobre os outros recursos apresentados pelo apelante, o magistrado observou que o estatuto da associação não previa a figura do diretor, mas que parte dos campos das AIHs era preenchida pela administração da entidade, sendo encargo dos profissionais da saúde incumbidos dos atendimentos – como o apelante – realizar o lançamento das informações técnicas médicas. Desse modo, entende-se que é plenamente admissível o seu desconhecimento sobre a utilização de seus dados pessoais em formulários oficiais que exigem tal informação. Entretanto, observa-se que, no mínimo, ele foi conivente com a fraude, uma vez que o CPF informado era o seu.
Dessa forma, o relator destacou: “O dolo específico exigido pelas disposições da Lei nº 8.429/92, com as alterações promovidas pela Lei nº. 14.230/21, requer a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11, todos desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente (art. 1º, § 2º, da LIA). O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”.
O Colegiado decidiu, por unanimidade, nos termos do voto relator, dar provimento à apelação para absolver o acusado.
Fonte TRF