O procurador-geral da República, Augusto Aras, defende, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a constitucionalidade de Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que restringiu o uso de aditivos em produtos fumígenos derivados do tabaco – a exemplo do cigarro. O posicionamento foi em parecer no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.348.238/DF, que discute se a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa nº 14/2012 atendeu aos limites da competência normativa da agência reguladora.
O STF incluiu o caso na Sistemática de Repercussão Geral (Tema 1252) e a decisão tomada no recurso deverá ser seguida por todas as demais instâncias da Justiça. A ação questiona trechos da RDC nº 14/2012 da Anvisa, que – baseada em evidências científicas – proibiu a utilização em cigarros de aditivos com propriedades nutricionais, adoçantes, edulcorantes, mel, melado ou qualquer outra substância que possa conferir aroma ou sabor doce aos produtos derivados do tabaco. A norma também vedou a adição de substâncias que possam dar aroma ou sabor de temperos, ervas e especiarias. O objetivo é reduzir a atratividade e a palatabilidade dos produtos derivados do tabaco, diminuindo os riscos de gerar dependência no usuário.
A edição da resolução levou uma entidade representativa da indústria do tabaco a ajuizar ação contrária à medida, sob o argumento de que o ato normativo extrapolou os limites estabelecidos pelo legislador, ao proibir substâncias que, por si só, não geram riscos à saúde. Ela sustenta que a medida fere os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e da livre iniciativa, bem como a liberdade do consumidor de escolher o produto que deseja consumir.
Para o PGR, entretanto, a Resolução editada pela Anvisa está dentro dos limites de sua atuação institucional de agência reguladora, conforme prevê a legislação brasileira e decisões anteriores do STF. O entendimento encontra respaldo no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.874/DF, em que a Suprema Corte, reafirmando sua jurisprudência sobre agências reguladoras, reconheceu a competência da Anvisa para editar atos normativos visando à organização e à fiscalização das atividades reguladas, diante do poder geral de polícia da administração sanitária.
Augusto Aras sustenta que a Resolução está de acordo com normas constitucionais que determinam o dever estatal de garantir a saúde, a defesa do consumidor e o seu direito à informação. Também é compatível com os princípios da Constituição Federal que protegem a livre iniciativa e a ordem econômica justa.
Além disso, a Lei nº 9.782/199 – que definiu o Sistema Nacional de Vigilância – incumbiu à Anvisa a competência de controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. De acordo com o PGR, a proibição de aditivos em nada impacta o uso de insumos essenciais para a produção dos cigarros, o que afasta a alegação usada pela entidade tabagista de inviabilidade da indústria e do setor econômico.
O PGR defende, ainda, que o ato normativo editado pela Anvisa – ao proibir o uso de substâncias que podem estimular o vício – tem o potencial de contribuir para a redução dos casos de doenças relacionadas ao tabaco e de mortes prematuras, reduzindo a atratividade dos produtos do tabaco. “A atuação do poder público, portanto, possui intuito protetivo, especialmente quando se trata de práticas prejudiciais à saúde, como no caso de produtos comprovadamente capazes de gerar dependência”, afirma no parecer.
Compromisso internacional – O procurador-geral da República salienta também que a restrição do uso de aditivos atende a obrigações internacionais assumidas pelo Brasil com a internalização da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco. O acordo, que entrou em vigor internacionalmente em 2005, tem como objetivo principal conter a epidemia global do tabagismo.
A convenção foi o primeiro tratado internacional negociado com a participação da Organização Mundial da Saúde (OMS), tendo contado com a colaboração ativa do Brasil, que coordenou seu processo de elaboração durante os anos de 1999 e 2003. Entre as suas diretrizes estão reduzir a toxicidade, a atratividade, a palatabilidade e o potencial dos cigarros em causar dependência.
Tese proposta – Diante do exposto, o procurador-geral da República opina pelo desprovimento do recurso extraordinário com agravo e sugere a fixação das seguintes teses com efeito para todas as ações que tratem ou venham a tratar sobre o tema:
1) A Anvisa, no exercício do seu poder regulatório, tem competência para editar normas sobre a restrição à importação e à comercialização de cigarros; e
2) É constitucional a edição de norma pela Anvisa que proíbe a fabricação, a importação e a comercialização, no país, de produtos fumígenos derivados do tabaco que contenham substâncias ou compostos que define como aditivos, a exemplo da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 14/2012.
Com informações do MPF