A 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, em Belo Horizonte, dedicou um painel nesta quarta-feira (29/11) às relações raciais e seus reflexos no desenvolvimento do país, além das políticas de ações afirmativas e sua importância no combate ao racismo e às desigualdades.
Responsável por presidir o painel, a conselheira federal pelo Pará e presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade, Suena Mourão, ressaltou o fato de a mesa de debatedores ser 100% formada por mulheres, o que para ela aumentou a importância da discussão.
Conselheira federal pela Bahia, a relatora Silvia Cerqueira disse que o painel mostrou a potência do tema em questão e que as participantes estavam ali porque nunca aceitaram “ficar só na fotografia”.
Racismo e desigualdade
A primeira palestra teve como tema as políticas de ações afirmativas e sua importância no combate ao racismo e às desigualdades. Sobre o assunto, Núbia Elizabette, conselheira federal por Minas Gerais e secretária-adjunta da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do CFOAB, disse que para tratar da questão é preciso entender o racismo institucional no Brasil, o estrutural e o psicológico, que muitas vezes não é percebido.
Nesse sentido, o racismo, segundo ela, “é uma máquina de destruir seres humanos, e, com eles, suas dignidades e sonhos. Mutila, castra, segrega e mata. O racismo mata a oportunidade de falar de amenidades, já que eles poderiam estar tratando de outros temas. Mas temos de falar das atrocidades, devido à diferenciação dos seres humanos pela raça”. Ela enfatiza que ainda vivenciamos no Brasil a “sobrevida da escravidão”, e se a pessoa é mulher, preta e pobre, a situação ainda é pior.
Para Núbia, “essa é uma dívida cultural que o governo tem para com o país, e a sociedade tem e precisa se redimir”. Citando Nelson Rodrigues, Núbia Elizabette disse que “a vida do preto é toda tecida de humilhações” e fez uma indagação: ”Você conhece alguém que esteja cumprindo pena por racismo?”.
Desigualdade econômica
Na sequência, foram abordados temas que relacionam raça, desigualdade e economia, como no caso da tributação do consumo e regressividade. O tópico foi abordado por Evanilda Bustamante, professora da Universidade Federal de Viçosa (MG).
Para ela, falar do assunto é tratar da desigualdade, que não é um tema novo, embora esteja longe de ser ultrapassado. Isso porque “no sistema tributário, o que tem menos renda acaba pagando mais tributos, e é aí que essa desigualdade fica escancarada”. Também no consumo, segundo ela, essa diferença na renda afeta mais o bolso dos mais pobres.
Dados apresentados por Evanilda mostraram que os 10% mais ricos no Brasil detêm quase 60% da renda e a metade da riqueza patrimonial do país. Em relação à diferença na cobrança de impostos, “os 10% mais pobres comprometem mais de 24% da sua renda com tributação do consumo, já os 10% mais ricos tem 8% de tributação”. No Brasil, concluiu a professora, “a tributação tem gênero e cor, já que pelas estatísticas oficiais 42% dessas pessoas mais pobres são mulheres negras e 20% são homens negros”.
Para Daniela Libório, conselheira federal por São Paulo e presidente da Comissão Especial de Direito Urbanístico, passar dessa desigualdade tributária para uma igualdade social deve ser motivo de reflexão. Segundo ela, a desigualdade e a injustiça social começam “quando se fala na questão tributária, e isso significa dizer que o governo sempre precisa de mais dinheiro, de mais receita. As empresas estão muito oneradas. Em outra linha, tem a população empobrecendo. Onde o governo vai buscar esse recurso? O Estado não faz o dever de casa, mas quer mais”.
Menos valia
A raça como menos valia econômica foi o tema da palestra de Lilian Azevedo, presidente da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM). Citando canção interpretada por Elza Soares, cuja letra diz que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”, Lilian observou que o problema estrutural no Brasil está na maneira de pensar a cultura.
Segundo ela, a estrutura escravocrata do passado é sentida até hoje: “A desvalorização do negro está na base da estrutura brasileira e esse é um problema republicano. O racismo é perverso”. Diante disso, ela questionou se o negro vai ficar “nessa situação de dor ou se lutará o bom combate”. Porém, existem questões que dependem de vontade política. Assim, o problema “está na caneta de quem está no poder”. “É um dever do Estado cumprir a política de cotas, porque ele precisa sobreviver. Essa é uma questão de sobrevivência, mas faltam gestão e vontade política.”
Salários diferentes para funções iguais
A conselheira federal por São Paulo Alessandra Benedito levou a discussão para os escritórios de advocacia e as práticas de ESG. Sob essa perspectiva, ela entende que é preciso discutir “o direito de efetivamente nos sentirmos iguais”. “Hoje temos um número maior de alunos negros nas universidades, mas nem sempre foi assim. Mas as dificuldades e a dor que senti há 25 anos continuam as mesmas em relação aos alunos de hoje”, disse a conselheira.
Alessandra também relatou a dificuldade para se encaixar em um ambiente que na maioria das vezes é hostil. Assim, para ela, é necessário que o advogado negro avance nesses espaços e se instrumentalize com as demandas do mercado, dominando temas como a questão ambiental, de governança e o social. Ela observou, porém, que pela entrega de um mesmo trabalho, o que se vê, na prática, é uma remuneração menor para o negro. “E só se descobre isso, que o negro ganha menos, quando o colega mostra o contracheque.”
Promovida pelo Conselho Federal da OAB e pela seccional mineira da Ordem, a conferência teve como tema “Constituição, Democracia e Liberdades”. Foram 50 painéis com temas variados, especialmente sobre questões atuais do país. Ao longo do evento, a OAB recebeu cerca de 400 palestrantes e 20 mil profissionais.
Com informações do Conjur