Por falta de provas de consentimento do morador, STJ anula ação penal contra investigado

Por falta de provas de consentimento do morador, STJ anula ação penal contra investigado

O consentimento do morador para a entrada de policiais em sua casa apenas será válido quando for documentado por escrito e registrado em gravação audiovisual.

Com base nessa fundamentação, e por falta de provas de que a autorização foi livre e sem vício de consentimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, seguindo o voto do relator, ministro Ribeiro Dantas, concedeu Habeas Corpus declarando a ilegalidade da ação policial e anulou as provas obtidas durante diligência em uma casa em investigação de tráfico de drogas. Sem autorização judicial, a ação resultou na prisão de dois homens.

Consta no processo que a Polícia Civil de São Paulo investigou um dos réus por cerca de dois meses. O homem foi preso quando chegava à casa do colega, ainda na rua. Ocorre que, em tal abordagem, os policiais não encontraram drogas. Na sequência, eles entraram na residência do segundo preso, onde, enfim, encontraram as drogas. O ingresso, segundo os policiais, foi feito com o consentimento do dono da casa.

Ao longo do processo, os policiais justificaram a ação por terem entendido que estavam protegidos por uma fundamentação suficiente — em decorrência das investigações prévias.

Ao abrir o voto, Ribeiro Dantas lembrou que a Constituição estabelece que a casa é uma espaço inviolável, onde ninguém pode entrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

O ministro lembrou que o Supremo Tribunal Federal decidiu que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

“Ou seja, as buscas domiciliares sem autorização judicial dependem, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões de que naquela localidade esteja ocorrendo um delito”, disse Ribeiro Dantas.

Para o ministro, em um período de investigação de dois meses haveria tempo hábil para pedir autorização judicial para a busca domiciliar. Além disso, o ministro destacou que os elementos obtidos pela investigação não se confirmaram de pronto, já que, inicialmente, os policiais acreditavam que o réu já chegaria ao local com drogas, o que não aconteceu. As substâncias só foram encontradas dentro da casa.

“Nesse contexto, abordado o agente em via pública e não sendo encontrado com ele nada que corroborasse as informações sobre a suposta traficância, não se verificam fundadas razões para a continuação da diligência cautelar no domicílio.”

O ministro destacou que a suposta autorização do corréu não foi minimamente comprovada, sendo uma versão confrontada por depoimentos de testemunhas.

Ribeiro Dantas lembrou que, até recentemente, se as instâncias ordinárias certificassem o consentimento do réu na permissão da entrada dos policiais em sua casa, ficava afastada a alegação de violação de domicílio. Assim, o STJ entendia que tal anuência não poderia ser questionada ou revogada por meio de Habeas Corpus.

Ocorre que, em julgamento de caso semelhante (HC 598.051), a 6ª Turma da corte, seguindo voto do ministro Rogério Schietti, decidiu que o consentimento do morador para a entrada dos policiais no imóvel será válido apenas se documentado por escrito e, ainda, for registrado em gravação audiovisual. Nessa ação, o colegiado destacou ser imprescindível ao Judiciário, na falta de norma específica, proteger o cidadão contra o arbítrio de agentes estatais, sobretudo moradores de periferias de grandes centros urbanos.

“Sendo assim, para salvaguarda dos direitos dos cidadãos e a própria proteção da polícia, conclui ser impositivo aos agentes estatais o registro detalhado da operação de ingresso em domicílio alheio, com a assinatura do morador em autorização que lhe deverá ser disponibilizada antes da entrada em sua casa, indicando, outrossim, nomes de testemunhas tanto do livre assentimento quanto da busca, em auto circunstanciado. Além disso, toda a diligência deverá ser gravada em vídeo.”

Ribeiro Dantas ressaltou que o excesso de dúvidas sobre a autorização de entrada na casa do corréu não pode ser dirimido a favor do Estado, mas do titular do direito atingido (in dubio libertas).

“Nesse passo, ausente a comprovação de que a autorização do morador foi livre e sem vício de consentimento, e, no caso concreto, havendo inclusive prova judicializada em sentido contrário ao da suposta autorização do morador, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade da busca domiciliar e consequentemente de toda a prova dela decorrente (fruits of the poisonous tree)”, finalizou o relator.

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