Com base no princípio do poluidor-pagador, sentença do Juiz federal Pablo Kipper Aguilar reconheceu a responsabilidade civil objetiva dos requeridos, fundamentando a decisão em princípios que impõem aos responsáveis pelo desmatamento a obrigação de reparar os danos ambientais e suportar os prejuízos ecológicos provocados na floresta Amazônica, no Amazonas.
A Justiça Federal do Amazonas, por meio da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas, julgou parcialmente procedente uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo IBAMA no âmbito do projeto “Amazônia Protege”.
A decisão condenou os réus Alcides Inácio Lauschner e Noemia Maria Chaves Pimentel pela prática de desmatamento ilegal de áreas da floresta amazônica no município de Apuí (AM), com base em provas técnicas obtidas por sensoriamento remoto.
O juiz federal Pablo Kipper Aguilar reconheceu a responsabilidade civil objetiva dos requeridos, fundamentando a decisão em preceitos constitucionais e infraconstitucionais, especialmente o art. 225, § 3º da Constituição Federal e o art. 14, § 1º da Lei 6.938/81, que consagram a teoria do risco integral e a necessidade de reparação integral do meio ambiente independentemente de culpa.
O magistrado também invocou o entendimento consolidado no Tema 707 do STJ, que dispensa a demonstração de dolo ou culpa para fins de responsabilização ambiental.
No mérito, a sentença destacou a suficiência das provas técnicas apresentadas — notadamente, os dados do sistema PRODES/INPE, que identificaram a supressão de vegetação nativa em áreas correspondentes a 730 hectares (Alcides) e 9 hectares (Noemia), cruzados com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos réus.
Segundo o juiz, a utilização de imagens de satélite e laudos do IBAMA é plenamente válida e suficiente para comprovar o dano ambiental, especialmente em regiões de difícil acesso, conforme jurisprudência do TRF1.
A decisão reforçou ainda a natureza propter rem das obrigações ambientais, que aderem à titularidade do imóvel, tornando o atual proprietário ou possuidor responsável pelo dano, independentemente de ter sido o agente direto da degradação.
Citando o Tema 1.204 e a Súmula 623 do STJ, o magistrado observou que a responsabilidade decorre da função socioambiental da propriedade, sendo o descumprimento dessa função uma omissão ilícita passível de sanção.
Além da condenação à apresentação de projeto de recuperação ambiental (PRAD) no prazo de 60 dias, o juiz impôs aos réus o pagamento de indenização por danos materiais, fixada em R$ 7.841.660,00 para Alcides e R$ 96.678,00 para Noemia, com base em nota técnica do IBAMA que estima em R$ 10.742,00 o custo por hectare na Amazônia. Ambos também deverão pagar R$ 50.000,00 cada a título de danos morais coletivos, valor arbitrado com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
A sentença ainda rechaçou a tese da ré Noemia de que a área era utilizada para agricultura de subsistência e que não havia nexo causal entre sua conduta e o desmatamento, por ausência de provas capazes de infirmar os elementos técnicos e administrativos constantes dos autos. O magistrado também considerou irrelevante, do ponto de vista jurídico, a extensão reduzida da área desmatada em relação ao contexto do projeto, reafirmando que a mínima lesão ambiental é suficiente para ensejar reparação.
Importante observar que, na fundamentação, o juiz implicitamente acolheu o princípio do in dubio pro natura embora não o tenha mencionado de forma expressa. Tal princípio — reconhecido em documentos internacionais e cada vez mais acolhido na jurisprudência brasileira — impõe que, diante de incertezas ou controvérsias técnicas sobre o impacto ambiental, a decisão judicial deve favorecer a proteção da natureza.
Por fim, o juiz rejeitou os pedidos de declaração da área como patrimônio público e de autorização genérica para destruição de bens, por ausência de demonstração fática e jurídica suficiente.
A decisão reafirma a jurisprudência consolidada de que a proteção ambiental é dever de todos e que o descumprimento das normas que regem o uso racional e sustentável dos recursos naturais acarreta severas consequências civis, mesmo na ausência de comprovação de intenção dolosa.
Processo 1009186-67.2020.4.01.3200