Plenário Virtual faz da Suprema Corte brasileira a mais transparente do mundo, diz Toffoli

Plenário Virtual faz da Suprema Corte brasileira a mais transparente do mundo, diz Toffoli

Para o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, a capacidade de gestão rápida nesse mundo digital é um dos grandes desafios para o Poder Judiciário. Isso porque a demanda chega rapidamente e a todo momento. Se não houver estratégia de gestão e aprimoramento constante, há acúmulo de serviço e problemas decorrentes desse atraso.

Ao longo de sua gestão como presidente do STF e do CNJ (que foi entre setembro de 2018 a 2020), Toffoli se destacou por fazer várias alterações no regimento da Corte que impactaram em melhor produtividade. O Plenário Virtual foi ampliado e estabeleceu-se o julgamento por videoconferência em substituição ao plenário físico, em razão do afastamento social. Ponto que sempre foi criticado, estabeleceram a necessidade de submeter à apreciação do plenário a decisão do relator sobre tutela de urgência contra atos de presidente da República, Câmara, Senado ou do próprio STF; os acórdãos passaram a ser publicados automaticamente no prazo de sessenta dias.

“A pandemia, essa infelicidade que ocorreu, na verdade acabou trazendo ganho de produtividade com a ampliação do Plenário Virtual. O colegiado passou a ter uma dimensão maior de atuação”, diz em entrevista concedida para o Anuário da Justiça Brasil 2021, que será lançado no final de junho.

“Somos o Tribunal mais transparente do mundo. Temos os julgamentos todos que são transmitidos pela TV, pela rádio, pela internet. Mesmo o Plenário Virtual tem acesso amplo por qualquer pessoa, uma vez iniciado o julgamento, pelo site do Supremo.”

Sobre o fato de o Judiciário nunca ter sido tão criticado pela opinião do senso comum, o seu balanço, em relação ao Supremo Tribunal Federal, é que “críticas são normais”. “Um juiz nunca vai agradar a todos os lados. Faz parte e críticas são importantes a respeito de decisões.”

Pensando o futuro dos serviços judiciais, o ministro aponta que a Justiça hoje é muito mais um serviço à sociedade do que uma atividade física ou um local. “Essa é a ideia, de uma Justiça mais dinâmica, uma Justiça que, através dos meios eletrônicos, possa trazer maior celeridade, uma maior rapidez, respeitados os contraditórios, a ampla defesa, ela pode estar sempre sendo aprimorada”, afirma.

De acordo com o ministro, o Plenário Virtual é um desses exemplos de futuro que chegou e que pode ser sempre melhorado. “Nós conseguimos superar uma pauta de casos que já estavam liberados para julgamento, mas que jamais conseguiriam tempo nas sessões de quarta ou de quinta-feira. E, ao longo dessa votação, nós criamos mecanismos para as sustentações orais, para esclarecimento de matéria de fato, ao longo do processo os advogados podem apresentar matérias de fato”, elenca.

Questionado sobre qual o peso da corrupção no Brasil, o ministro diz que o trabalho de combate à corrupção não pode esmorecer e não pode deixar de existir, mas é um trabalho institucional, de toda a sociedade. “O que ocorre é que muitas vezes houve, em algumas operações, em alguns casos, excessos. E esses excessos são devidamente combatidos através dos recursos que as partes têm direito. Mas em dado momento esse destaque surgiu porque as pessoas se achavam heróis ou as únicas com um padrão moral para combater a corrupção, sendo que o combate à corrupção é um combate de todos.”

Leia abaixo os principais trechos da entrevista, feita no dia 27 de abril, antes de o Supremo entender por anular a delação do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) com a Polícia Federal, em que, sem nenhuma prova, o político diz ter ouvido dizer que o ministro teria favorecido políticos em decisões no TSE.

ConJur — A epidemia de Covid-19 afetou a produtividade dos ministros?
Dias Toffoli — Quando começou a pandemia, eu estava na presidência. O decreto da OMS foi em março de 2020, e felizmente tínhamos um trabalho iniciado no começo da nossa gestão de ampliar o Plenário Virtual. Logo depois que eu assumi o cargo de ministro do Supremo, em 23 de outubro de 2009, já dizia que deveríamos começar a ampliar o Plenário Virtual para julgar questões de mérito e lá eu citava como exemplo as ações diretas contra leis estaduais, que realmente eram um represamento muito grande.

O primeiro Plenário Virtual nosso foi em 2007, na gestão da ministra Ellen Gracie. E já com um acervo de mais de 90% dos processos digitalizados. Então, na verdade, a pandemia, essa infelicidade que ocorreu, na verdade acabou trazendo ganho de produtividade com a ampliação do Plenário Virtual. E os números demonstram isso: aumento de julgamento de casos em colegiado, a diminuição de liminares sem referendo, ou seja, ampliou-se o referendo de decisões liminares, seja para mantê-las, seja para cassá-las, mas o colegiado passou a ter uma dimensão maior de atuação. A Corte conseguiu se preparar e em momento nenhum o Judiciário deixou de funcionar.

ConJur — O ganho de produtividade é então a grande vantagem desse novo tipo de trabalho?
Toffoli — Sim. A produção aumentou. Um estoque muito grande de repercussões gerais que levariam entre cinco a dez anos para serem julgadas. Só no ano de 2020 foram julgadas mais de cem repercussões gerais, é um recorde cinco vezes maior do que em anos anteriores. E também as ações diretas de inconstitucionalidade ou declaratórias que estavam há algum tempo paradas, porque não tinha pauta. Tínhamos um estoque de mais de mil processos liberados para o plenário maior, porque se acumula. Os relatores estão prontos para o debate colegiado, mas não tinha agenda possível. Então o Plenário Virtual e o plenário por videoconferência, que substituiu o presencial em razão do afastamento social, têm cumprido uma função que vai para além de manter em funcionamento o Supremo, mas inclusive com esse ganho de produtividade, que veio para ficar.

ConJur — O que o senhor pode destacar de julgamentos importantes?
Toffoli — Recentemente tivemos a questão da legítima defesa na honra, uma decisão extremamente importante nesse aspecto. O direito ao esquecimento, que é algo que está diretamente relacionado à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. O inquérito das fake news que, na nossa gestão, quando tivemos que abrir esse inquérito, designando o ministro Alexandre de Moraes, houve algumas incompreensões, mas ao fim, acaba em junho do ano passado por dez votos a um, a Corte entendeu pela legitimidade desse inquérito. Foi uma decisão extremamente importante e relevante, não há dúvida nenhuma a respeito dessa necessidade de uma defesa institucional do Supremo no momento em que os ataques eram generalizados. Hoje não tem mais aquela situação de ministro sendo agredido ou sendo, de alguma maneira, atacado em aeroporto, em avião, esse tipo de coisa. E mesmo aqueles atos que aconteciam em frente ao próprio Tribunal.

ConJur — Em alguns julgamentos o Supremo foi alvo de críticas. Em alguns casos, o senhor acredita que não tenha sido dada a melhor solução?
Toffoli — Concordando ou discordando das decisões do Supremo, eu mesmo fiquei vencido em muitas delas e em outras que eu votei vencedor, teve colegas que ficaram vencidos, isso é a importância do colegiado e das várias visões que se tem e os enfoques necessários para a melhor solução. E nesse período da Constituição de 1988, o fato é que as decisões do Supremo, mesmo que se discordem delas, o Supremo conseguiu manter a pacificação social, conseguiu dar efetividade a dispositivos da Constituição que não estavam sendo colocados em efetividade, seja por razões de não se encontrar no Parlamento uma solução ou por não contar no Executivo — não falo desse atual Executivo, eu falo do Executivo no processo histórico, desde a Constituição de 88 — as condições, às vezes até orçamentárias, de prioridades estabelecidas.

Podemos dizer que o STF, enquanto Corte Constitucional que guarda a Constituição, é a que mais trabalha no mundo, é a que mais é acionada inclusive pela própria classe política, em razão dos vários legitimados trazidos pela Constituição de 88 para a busca dessa efetividade. E tudo isso porque, ao fim, ao cabo, os constituintes tinham dúvida de que os direitos que eles estavam estabelecendo na Constituição iam ser efetivos. Os constituintes estabeleceram uma série de legitimados e, ao longo do tempo, o Congresso foi aprovando legislações importantíssimas para dar efetividade à Constituição. E o Supremo como seu guarda, seja na manutenção daquilo que foi aprovado, seja na determinação de obrigatoriedade e efetividade daquilo que havia omissão, mas estava garantido no texto da Constituição, foi dando efetividade a essa carta. O meu balanço em relação ao Supremo é que críticas são normais. Um juiz nunca vai agradar a todos os lados. Então isso faz parte e é importante também, as críticas a respeito de decisões. Tem muitas delas que eu fiquei vencido, evidentemente. Eu já falei aqui. E outras em que o vencedor teve colegas vencidos. Mas a lição que fica, vamos para 33 anos de Constituição, é que o Supremo brasileiro, nas composições que teve ao longo desse período, soube cumprir o seu papel de pacificar a sociedade, trazer previsibilidade, segurança jurídica e harmonia entre os poderes.

ConJur —O que representa a saída dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio e qual é o impacto na composição atual?
Toffoli — Bom, em primeiro lugar é a saída de dois amigos, que eu já tinha antes de ser juiz na Corte. Praticamente a trajetória deles se confunde com a interpretação da Constituição. E veja um pouco aquilo que eu falava: muitas vezes eles foram vencidos, lá no início da interpretação, como, por exemplo, na efetividade do próprio mandado de injunção, que o Marco Aurélio sempre defendeu pela efetividade. Ou por exemplo o caso da fidelidade partidária que, salvo engano, lá atrás ambos ficaram vencidos e depois, com o tempo, essa posição deles se tornou vencedora. Então são pessoas cuja trajetória se confunde com a trajetória de toda essa jurisprudência da Constituição de 1988, da interpretação deles como intérpretes constitucionais em todo esse período. Cada um com mais de 30 anos de judicatura constitucional. Então é uma perda para a Corte. Mas é o ciclo natural. Ninguém fica eternamente nesse mundo, nem eternamente nas instituições. Cabe só desejarmos muita alegria e sorte na nova tarefa que cada qual escolher para exercer. Mas são duas lacunas muito grandes.

ConJur — Quais os problemas que ainda existem no Tribunal e que precisam ser melhorados?
Toffoli — A dinâmica dos julgamentos que chegam ao Tribunal e também adinâmica do processo virtual sempre poderão ser aprimoradas. Durante pandemia foi dado um aprimoramento necessário, mas sabemos que esse mundo tecnológico pode ser aprimorado. Tem um pensador escocês, o [Richard] Susskind, que escreve muito sobre as cortes virtuais,  e ele diz que a Justiça é um serviço à sociedade. E ela é muito mais um serviço do que uma atividade física ou um local. Essa ideia de uma Justiça mais dinâmica, uma Justiça que, através dos meios eletrônicos, possa trazer maior celeridade, uma maior rapidez, respeitados os contraditórios, a ampla defesa, pode ser sempre estar sendo aprimorada. E também pode trazer uma maior conexão com a realidade do país. Então por meio da tecnologia um conhecimento também maior da realidade que nós todos vivemos num país das dimensões do Brasil. A capacidade de gestão rápida nesse mundo digital é o grande desafio para não só o Supremo, mas para o Poder Judiciário, e ao fim, a todos nós da sociedade. Porque isso está transformando a maneira de trabalhar, está transformando o modo de produção.

ConJur — Nessa perspectiva, o regimento interno do Supremo precisa passar por mais alterações?
Toffoli — Ao longo da nossa gestão ampliamos o Plenário Virtual, estabelecemos o julgamento por videoconferência em substituição ao plenário físico, em razão do afastamento social. Estabelecemos a necessidade de submeter a referência do plenário a decisão do relator sobre tutela de urgência, contra atos de presidente da República, Câmara, Senado ou do próprio STF; os acórdãos passaram a ser publicados automaticamente no prazo de sessenta dias, independentemente de revisão por parte do relator ou do juiz que trouxe voto oral ou por escrito. Fizemos uma série de alterações voltadas a conferir a maior efetividade sistemática da repercussão geral, estabelecendo que se seis juízes não concordaram que a matéria é constitucional, nem se analisa a repercussão geral, e o recurso acaba por não ter como ter segmento. E outras propostas que fizemos que ainda aguardam aprovação, porque houve pedido de destaque, depois de vista. E uma delas é essa, exatamente, de levar as decisões, qualquer decisão monocrática, a referendo imediato pelo colegiado e os prazos de pedido de vista, devolução para a vista no prazo de 30 dias, podendo ser prorrogado por mais 30. São questões que estão aí e que são importantes de dar continuidade.

ConJur — Dez anos atrás o acervo do Supremo estava em 90 mil processos e hoje se encontra em apenas 26 mil. Como é que o senhor explica essa queda?
Toffoli — Se a gente for para um período para além dez anos, vemos uma situação de verdadeiro colapso de quantidade de julgamentos. Ao longo desse tempo tivemos a repercussão geral, com a Emenda 45, tivemos a súmula vinculante e outros instrumentos processuais que foram sendo criados e ampliados. Até o Plenário Virtual hoje, que tem ampla cognoscibilidade de todos os processos em andamento, conseguimos não só diminuir de 90 mil para 26 mil o acervo da Corte. Diminuímos em 40% o custo orçamentário da Corte. Não é pouca coisa. E, com certeza, com a produtividade que hoje existe, vai diminuir mais. E, com certeza, desses 26 mil, que é o estoque atual, pelo menos metade está julgada já, seja com a decisão monocrática ou com uma liminar, ou com uma decisão já definitiva. Isso é um esforço coletivo de todos os ministros, dos juízes auxiliares, dos assessores, dos servidores, de todos os colaboradores que atuam no Tribunal e também da sociedade como um todo na compreensão desse trabalho tão importante que é o trabalho de uma Corte Constitucional.

ConJur — Ministro, em 2020, o Plenário Virtual foi muito usado no julgamento de casos de repercussão geral. O senhor acha que, em casos mais sensíveis, não é melhor ter um debate entre os ministros a respeito disso?
Toffoli — Embora sejam seis dias úteis a votação no Plenário Virtual, o anúncio de que o processo vai entrar em votação é feito com 15 dias de antecedência. Então primeiro você libera para o virtual. Só na outra sexta-feira, seis dias úteis depois, é que a votação começa, ou seja, nós temos condições de ter 15 dias para um estudo dos casos. Muitas vezes no plenário físico ou no plenário por videoconferência você toma conhecimento do voto do relator e ou você acompanha ou tenta formar uma divergência na hora ou pede de vista. Até isso justifica uma quantidade alta de vista. Então, na verdade, o Plenário Virtual é uma solução para trazer previsibilidade e segurança jurídica. E nós conseguimos superar uma pauta de casos que já estavam liberados para julgamento, mas que jamais conseguiriam tempo nas sessões de quarta ou de quinta-feira. E, ao longo dessa votação, criamos mecanismos para as sustentações orais, para esclarecimento de matéria de fato. Os advogados podem renovar os memoriais. Qualquer ministro pode destacar que o plenário físico por videoconferência é semipresencial. Então o Plenário Virtual tem sido um case de sucesso. No meu modo de ver, respeitando o contraditório e a ampla defesa. A dialética é permanente no virtual e, ao invés de ser numa tarde, é em uma semana inteira. E tanto é assim que as críticas iniciais diminuíram muito, até porque para o advogado também é bom. Por quê? Porque o caso é julgado, não fica caso parado. Foram mais de cem repercussões gerais, julgadas e muitas delas com decisões paralisando o julgamento das instâncias inferiores, o que evidentemente tem um impacto na prestação jurisdicional. Se o Supremo demora muito, esse impacto acaba sendo uma demora que muitas vezes atrapalha ali a realização da justiça no caso concreto.

ConJur — O senhor já falou que o instituto do júri está falido e deve acabar. Pode indicar os motivos que o levaram a essa conclusão?
Toffoli — Quando eu assumi o Conselho Nacional de Justiça, criei um grupo de trabalho que foi muito bem coordenado pelo ministro Rogerio Schietti [do Superior Tribunal de Justiça]. E esse grupo de trabalho levantou os números do Atlas da Violência e de outros dados, e também um estudo do Ipea. Em dez anos o Brasil teve em torno de 600 mil casos de assassinatos e julgou em torno de 200 mil casos. Você tem uma falência do Tribunal do Júri. E uma falência anterior, seja da Polícia, seja do Ministério Público, porque não se descobre a autoria. Na verdade, só chega ao júri em torno de 20% dos assassinatos. É toda uma burocracia, é todo um trabalho que depois vai se ter no julgamento desses casos. Com um custo elevado, porque realizar um júri no sistema brasileiro, você tem que deixar os jurados incomunicáveis, têm que dormir no fórum, caso o júri seja demorado. Então, é uma instituição que não funciona. Não tem mais sentido o Tribunal do Júri. Tem juiz togado, o juiz togado vai lá julgar. Veja: só no júri é que podia ter sucesso a esdrúxula defesa da honra. E agora se tornou uma tese inconstitucional e que anula o julgamento. O júri é uma emoção, é um teatro. Não num como você combater uma epidemia de homicídios assim. Em relação a 2018, foram mais de 57 mil assassinatos no Brasil. É uma loucura. E quantos desses vão a julgamento? 20%. Então o júri funciona? Não funciona. E não é só o júri. Se você tem ali um juiz togado para atuar mais fortemente junto… E a própria Polícia, o próprio MP se atuarem mais, você vai ter uma efetividade de solução de casos e de penalização mais justa e mais correta.

Fizemos a apresentação de um projeto de lei no Congresso para desburocratizar o júri. Ser mais dinâmico, ser mais simples, mais fácil. Evidente que acabar com o júri depende de uma emenda constitucional. E aí é uma deliberação que cabe ao Congresso exclusivamente, assim como projeto de lei também cabe ao Congresso a desburocratização para que ele possa funcionar com maior rapidez.

ConJur — Como aperfeiçoar os instrumentos democráticos para evitar ataques às instituições?
Toffoli — A melhor coisa é a consciência da sociedade. Somos o Tribunal mais transparente do mundo. Temos os julgamentos todos que são transmitidos pela TV, pela rádio, pela internet. Mesmo o Plenário Virtual tem acesso amplo por qualquer pessoa, uma vez iniciado o julgamento, pelo site do Supremo. Não há no mundo um Tribunal tão transparente e isso mostra o quanto se trabalha, mostra o quanto ele é importante. E a defesa da institucionalidade, da democracia e do Judiciário como um todo é extremamente importante. Quando no CNJ, como presidente, em todos os locais que ia, falava da importância da Justiça do Trabalho em um país ainda desigual. Porque lembrem-se que lá atrás teve um debate muito grande de se extinguir do Judiciário trabalhista. Amanhã ou depois vão querer extinguir o Supremo ou extinguir o Judiciário. E quem vai resolver os problemas? Quem vai resolver e pacificar os conflitos que a sociedade não chega a uma solução?

ConJur — Ministro, cerca de 90% dos processos no Brasil são da esfera cível, mas a matéria criminal ainda domina o debate quando se trata do Judiciário. Não lhe parece que as questões criminais estão sobrevalorizadas e superestimadas?
Toffoli — Quem é que não gosta de um filme de julgamento criminal? Quem é que não assiste a um filme de júri? Quem é que não gosta de uma novela que tem ali uma morte que vai ser julgada? Isso é da natureza humana. Acaba que a sociedade, os meios de comunicação em razão disso, a curiosidade faz com que processos criminais tenham, da parte das pessoas, uma curiosidade maior. E, além do que, evidentemente, em termos de prática de ilícito, entre um ilícito civil, um ilícito administrativo, um ilícito criminal, realmente, aquele que mais dano faz à sociedade é o criminal. Então a sociedade, sob esse ângulo, também tem o direito de ter um acompanhamento maior, porque os bens jurídicos, que são mais protegidos, eles são protegidos com a tutela da investigação e da tipificação penal. Então a sociedade tem sim, naturalmente, até não só por curiosidade, mas por importância, maior interesse, é o que eu penso. E os meios de comunicação, evidentemente dão destaque, porque tem interesse da opinião pública em acompanhar essas questões.

ConJur — Nos anos recentes vemos um ciclo de voluntarismo acentuado sobre crimes relacionados à corrupção. Só que, estatisticamente, matéria de corrupção se relaciona a 0,03% de processos no Brasil. Esse ciclo de voluntarismo, o senhor acredita que ele se encerrou e o que esperar dessa nova quadra que está começando?
Toffoli — A questão do combate à corrupção foi um movimento desde a Constituição de 1988, que a maior corrupção que nós tivemos era a falta democracia, que gerava governos que não tinham transparência e, com certeza, era uma época em que praticamente não existia licitação, praticamente contratos eram feitos sem conhecimento da sociedade. Então a redemocratização, a partir da Constituição de 1988, veja, lá atrás, desde o governo Collor: Lei de Improbidade Administrativa. Temos a Lei de Responsabilidade Fiscal, penalizando os gestores que não tratam bem o dinheiro público. A Lei de Licitações. Temos depois, mais recentemente, pulando aí uma série de outras legislações importantes, a Lei da Transparência, a Lei da Lavagem de Dinheiro, recentemente aprimorada, a Lei da Colaboração Premiada, a Lei das Estatais. Ou seja, esse trabalho todo de combate à corrupção não pode esmorecer e não pode deixar de existir. E é um trabalho institucional de toda a sociedade. Eu acho que o que ocorre é que muitas vezes houve, em algumas operações, em alguns casos, excessos. E esses excessos são devidamente combatidos através dos recursos que as partes têm direito. Mas em dado momento, esse destaque surgiu porque as pessoas se achavam heróis ou as únicas com um padrão moral para combater a corrupção, sendo que o combate à corrupção é um combate de todos. Todos são contrários à corrupção, a não ser o corrupto, especificamente falando. Mas todos nós temos que combater a corrupção, e a institucionalidade é que combate corrupção. É um sistema como um todo. Toda essa legislação, todas elas, levaram a uma circunstância de o Brasil ter um patamar maior de combate à corrupção. Agora, esse combate à corrupção tem que ser feito com técnica, não com o estardalhaço.

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