O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar, nesta quinta-feira (8), se pessoas que usam trajes religiosos que cubram a cabeça ou parte do rosto têm o direito de aparecerem em fotografias de documentos oficiais de identificação com essa vestimenta. Na sessão, o relator e presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, apresentou seu relatório, e, em seguida, as partes e as entidades e instituições admitidas como interessadas no processo realizaram suas sustentações orais. O julgamento será retomado em data ainda a ser definida com os votos dos ministros. A matéria é tema do Recurso Extraordinário (RE) 859376, com repercussão geral (Tema 953).
Trajes religiosos
O caso teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a União e o Departamento de Trânsito do Estado do Paraná (Detran/PR) a partir de representação de uma freira que foi impedida de utilizar o hábito religioso na foto que fez para renovar sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A foto da carteira anterior e de sua identidade haviam sido foram feitas com o traje. O MPF buscou assegurar que as religiosas com atuação em Cascavel (PR) pudessem renovar a CNH sem o impedimento. A Justiça Federal, em primeira instância, julgou procedente o pedido.
No julgamento de apelação da União, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve a sentença e aplicou ao caso o inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura a liberdade de crença e garante proteção às suas liturgias. Aquela corte reconheceu o direito ao uso do hábito e afastou a aplicação de dispositivo da Resolução 192/2006 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que proíbe a utilização de itens de vestuário ou acessório que cubra a cabeça ou parte da face.
No STF, a União, autora do recurso, pede a reforma da decisão do TRF-4. Sustenta que a liberdade religiosa não pode se sobrepor a uma obrigação comum a todos os cidadãos.
Manifestações
Da tribuna, a representante da União Nacional das Entidades Islâmicas (UNI), Quesia Barreto dos Santos, defendeu que o uso do hábito, do véu islâmico ou de quaisquer vestes dessa natureza é prática religiosa e que sua retirada em público equivaleria a exigir que uma mulher não muçulmana retirasse sua camisa para uma foto de identificação. No mesmo sentido, o defensor público da União Claudionor Barros Leitão argumentou que a liberdade religiosa não compreende apenas a liberdade de culto, mas envolve também as diversas práticas e formas que se exteriorizam as crenças.
O advogado da Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji), Girrad Mahmoud Sammour, disse que a situação trazida nos autos é mais um caso de intolerância religiosa que submete diariamente mulheres que usam véu a constrangimentos e humilhações. Pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), a advogada Stefanne Amorim Ortelan afirmou que entre os dois direitos – liberdade religiosa e segurança pública – deve-se procurar uma solução que preserve os dois núcleos.
Por fim, o procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, também se manifestou contra a exigência de retirada do véu para a identificação. A seu ver, o uso do véu não impede o propósito de identificação.
Intolerância
Após sustentações orais, o ministro Luís Roberto Barroso se manifestou, em nome do Poder Judiciário, contra a violência religiosa. “A intolerância religiosa não é característica do povo brasileiro. Nunca foi e não pode passar a ser. Portanto, o Poder Judiciário brasileiro rejeita todo tipo de animosidade de natureza religiosa”, disse.
O ministro afirmou que católicos, evangélicos, judeus, pessoas que professam religiões africanas, budistas, todos têm o seu lugar e são tratados com respeito e consideração. Ele lembrou que a islamofobia que se manifestou depois do 11 de setembro, atentados terroristas contra os Estados Unidos, e do 7 de outubro, dia do ataque do Hamas em Israel, não se justifica. “Toda generalização é injusta”.
Barroso também repudiou a onda de antissemitismo que se espalhou pelo mundo e que teve manifestações no Brasil após a reação de Israel ao ataque do Hamas. O episódio, disse, “revive no povo judeu os horrores de tempos passados”.
“Não há sentido em importarmos para o Brasil uma guerra que não é nossa, e afetar e contaminar um povo que sempre viveu em paz”, afirmou. Para o ministro é preciso praticar o que está no coração de muitas religiões: não fazer aos outros o que não se gostaria que fizessem a nós mesmos. “Isso está na Torat, está nos Evangelhos, está nos mandamentos de Maomé, e não há nenhuma razão para no Brasil e no mundo, se possível, deixar de ser assim”.
Com informações do STF