A 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) deu integral provimento ao recurso de apelação de um motorista de aplicativo para condenar a plataforma por danos moral e material, este na categoria de lucros cessantes. Sem qualquer notificação, a empresa descredenciou o profissional com a justificativa de que uma passageira o denunciou por assédio sexual, acusação que não foi comprovada.
“Caberia à ré, quando muito, suspender o cadastro do autor até que os fatos fossem averiguados com mais cautela, sendo inadmissível o cancelamento imediato e de forma unilateral. Em assim sendo, resta evidenciado o ato ilícito praticado pela ré, bem como a sua obrigação de indenizar o autor pelos danos morais e materiais sofridos”, observou o desembargador José de Carvalho Barbosa, relator do recurso.
Esse entendimento foi acompanhado pelos desembargadores Newton Teixeira Carvalho e Ferrara Marcolino. De acordo com o colegiado, a plataforma 99 efetivou o descredenciamento com base em “mera denúncia isolada de assédio sexual”, feita por passageira não identificada, sem sequer ouvir o acusado, o que representou afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência.
Embora o regulamento da empresa preveja a possibilidade de “desativação da conta do motorista sem aviso prévio” em caso de denúncia do passageiro, o relator classificou essa regra como “completamente abusiva” porque os princípios constitucionais mencionados no acórdão, “sabidamente”, também são aplicáveis em processos administrativos e nas relações entre particulares.
Os pedidos do motorista foram julgados improcedentes pelo juiz José Alfredo Junger de Souza Vieira, da 3ª Vara Cível de Juiz de Fora, com o fundamento de que não ocorreu qualquer ato ilícito por parte da ré. Porém, conforme o relator Barbosa, “analisando detidamente os autos, nota-se que inexiste qualquer prova efetiva de que o autor tenha cometido esse assédio”.
Além de a vítima do suposto assédio não ter sido identificada, o aplicativo apresentou a denúncia desacompanhada de qualquer elemento de prova. A empresa limitou-se a acusar o motorista de importunar a passageira durante uma corrida, oferecendo-se para levá-la para “outro destino”. Em juízo, o profissional defendeu-se afirmando ser um profissional “elogiado”.
“O autor comprovou possuir uma avaliação positiva no aplicativo, sendo um ‘motorista 5 estrelas’, com nota 4,94 (média das últimas cem corridas realizadas por meio do aplicativo da ré), inexistindo histórico de má conduta profissional”, constatou o relator. Desse modo, o julgador concluiu que foi “arbitrário” o descredenciamento do motorista por motivo que não ficou comprovado.
Segundo o acórdão, os danos morais são “inquestionáveis” porque o autor foi injustamente impedido de trabalhar e, ainda, taxado de “assediador” sem sequer poder se defender. A indenização foi arbitrada em R$ 5 mil, “de modo que o valor não seja tão elevado que se constitua em fonte de enriquecimento sem causa, tampouco insignificante a ponto de não atender ao seu caráter punitivo”.
Em relação aos lucros cessantes, o colegiado considerou comprovado pelo autor, por meio de documento juntado aos autos, que ele recebia semanalmente a quantia média de R$ 1,6 mil como motorista da 99. Com base nesse valor, será calculado o que a empresa pagará ao profissional, considerando as datas do cancelamento e da reativação do cadastro na plataforma.
Conforme o artigo 402 do Código Civil, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, “além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Sob pena de multa diária de R$ 1 mil, até o limite de R$ 30 mil, a ré deve reativar o cadastro do autor em cinco dias. A plataforma também foi condenada a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da condenação. Com informações do Conjur
Processo 1.0000.22.191320-5/001