O Senado aprovou, em regime de urgência em 14 de maio o Projeto de Lei nº 1.803/2023, de iniciativa da Câmara dos Deputados, que limita as hipóteses de escolha pelas partes do local de julgamento de processos. Trata-se da chamada eleição de foro, fixada por meio de cláusula contratual amplamente utilizada pelos mais diversos contratos nacionais e internacionais.
Com a aprovação, o projeto de lei agora segue para sanção presidencial, que deve ocorrer dentro de no máximo 15 dias. Se sancionado sem vetos, o PL terá grande impacto nos mais diversos contratos empresariais e civis, levados a discussão judicial no país, pois poderá restringir a liberdade das partes contratuais de elegerem um foro neutro, ou que entendam mais eficiente, para solução de suas disputas.
A eleição de foro é autorizada pelo Código de Processo Civil, sendo considerada um negócio processual decorrente da autonomia de vontade das partes – manifestação do direito de liberdade concedido pela Constituição de 1988 – desde que respeitadas regras de competência absoluta, ou seja, sobre as quais não cabem disposição particular em contrário. É um direito concedido às partes contratantes para que possam escolher onde irão discutir, judicialmente, eventuais problemas decorrentes daquele contrato celebrado.
Caso aprovado pela Presidência da República, o PL vai alterar o caput do artigo 63, do Código de Processo Civil, para limitar as possibilidades de escolha para os foros nacionais de domicílio ou residência de uma das partes ou do local da obrigação, salvo quando a escolha for benéfica ao consumidor. O texto ainda propõe adicionar o parágrafo 5º ao artigo 63, do Código de Processo Civil para que o ajuizamento de ação, em juízo distinto daquele autorizado pela lei, seja considerado uma prática abusiva, autorizando o declínio de competência de ofício pelos magistrados.
Congestionamentos processuais
A justificativa do projeto de lei é de que a eleição de foro pelas partes geralmente recai sobre tribunais que têm “melhor desempenho”, mesmo que não tenham proximidade com o conflito. Essa prática supostamente estaria gerando “congestionamentos processuais”.
Afirma-se também que o exercício da autonomia privada encontraria limites no interesse público de planejamento do Judiciário de acordo com o contingente populacional local, e que “a escolha aleatória e injustificada de foro pode resultar em prejuízo à sociedade” em determinadas localidades, por sobrecarregar “tribunais que não guardam qualquer pertinência com o caso em deslinde”. O senador Carlos Eduardo Torres Gomes (PL-TO), em seu relatório ao Senado, ainda afirmou que a alteração visa combater o “fórum shopping”, ou seja, a escolha de um foro judicial que possa ser percebido como mais favorável à parte.
Reações
O projeto sofreu duras críticas em seu mérito e em razão da urgência dada a tramitação do debate, dado o possível impacto nos contratos empresariais país afora. O Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) chegou a apresentar manifestação contrária a alteração legislativa. Dentre diversos pontos desfavoráveis ao PL, o instituto expôs que a eleição de foro é uma convenção muito antiga, com base na autonomia das partes, consolidada na prática e disseminada em todo o mundo, podendo vir a sofrer limitação abrupta e com impacto imediato em diversas relações nacionais e internacionais. Além do mais, a legislação brasileira já contaria com a possibilidade de aplicação de medidas processuais para evitar que o instituto do foro convencional tenha sua finalidade desviada.
Outro ponto importante, objeto de crítica, consiste no fato de que não há clareza técnica ao se definir a “prática abusiva” e as suas consequências. O texto pode abrir margem interpretativa para que a eleição do foro seja compreendida como abuso de direito, possibilitando a imposição de multas a partes e advogados, o que certamente levará a maiores discussões perante o Judiciário.
A norma proposta teria eficácia imediata após a publicação da lei, aplicando-se a todas as ações ajuizadas e com fixação de competência com base em eleição de foro. Pelo texto do PL, não estaria afetada a eleição de foro em contratos internacionais e na execução de títulos extrajudiciais. A extensão dos impactos da alteração ainda é incerta, mas certamente, caso sancionada, ensejará possíveis discussões judiciais e maior atenção às comuns cláusulas contratuais redigidas acerca da eleição de foro.
Com informações do conjur