Na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (21), o procurador-geral da República,
Augusto Aras, afirmou que há incompatibilidade entre certos preceitos normativos da Lei Anticrime (13.964/2019) com o sistema processual penal acusatório quanto à imparcialidade da jurisdição e à independência dos membros do Ministério Público. O posicionamento foi defendido em sustentação oral durante julgamento conjunto das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, que questionam a validade da figura do juiz de garantias e outros aspectos do chamado Pacote Anticrime. O julgamento foi suspenso após o início do voto do relator, ministro Luiz Fux, e deve retornar à pauta nesta quinta-feira (22).
Ao promover alterações ao Código de Processo Penal (CPP), a legislação em debate estabeleceu a implantação de um magistrado para atuar na fase investigatória da persecução penal, mas que será diferente daquele que julgará a ação penal. No entendimento de Aras, a lei confere ao processo feição mais protetiva de direitos do investigado e do acusado. No entanto, algumas disposições pontuais do microssistema do juiz de garantias “colidem com a ordem constitucional, devendo ser extirpadas do ordenamento jurídico”.
Segundo o PGR, a lei confere ao magistrado atribuições que dependem de provocação e devem ser exercidas pelo MP como titular da ação penal e responsável pela instauração de inquéritos policiais e realização de diligências investigatórias. Seriam inconstitucionais, por exemplo, as prerrogativas ao juiz de garantias de ser informado sobre a instauração de qualquer investigação; prorrogar o prazo de duração do inquérito estando o investigado preso; decidir sobre requerimentos de acesso a informações sigilosas e de meios de obtenção de prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.
Na sustentação oral, Augusto Aras esclareceu que o sistema penal acusatório é caracterizado pela separação entre as funções instrutória, acusatória e decisória, não sendo possível ao mesmo órgão acumular as funções de investigar, acusar e julgar. “Permitir que o magistrado interfira na condução do inquérito policial viola o sistema acusatório por comprometer sua imparcialidade. O destinatário precípuo do inquérito policial é o Ministério Público. A partir do inquérito, o agente ministerial forma sua opinio delict e, se for o caso, provoca a atuação do Poder Judiciário”, observou.
Esse entendimento, segundo o PGR, não impede a atuação do juiz nas diligências investigativas, já que o magistrado pode agir excepcionalmente para resguardar direitos e garantias constitucionais – quando acionado pelo Ministério Público –, mas não cabe a ele praticar atos alheios à jurisdição. Aras ainda esclareceu que a temática em julgamento não se enquadra na situação prevista no art. 43 do Regimento Interno do STF sobre as eventuais atividades inquisitoriais desempenhadas na Corte.
Outros apontamentos – Augusto Aras também pontuou que existem na Lei Anticrime dispositivos que vão no sentido contrário da competência restrita da União para editar normas gerais. Segundo ele, não cabe à União determinar o rodízio de magistrados nas comarcas que tenham apenas um juiz, como prevê a lei combatida, uma vez que esse é um campo de atuação normativa das leis de organização judiciária, no âmbito da competência concorrente para legislar sobre aspectos concretos em matéria de procedimento.
O PGR apontou ainda ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na norma, que define o prazo de 30 dias para efetiva implementação do juiz de garantias. Aras defendeu que o Supremo Tribunal Federal debata sobre prazos razoáveis levando em consideração as particularidades e logística de cada ente federativo.
Com informações do MPF