Para obter o fim da pena de multa pelo crime basta que preso se autodeclare pobre, fixa STJ

Para obter o fim da pena de multa pelo crime basta que preso se autodeclare pobre, fixa STJ

A autodeclaração de pobreza é suficiente para a extinção da punibilidade da pessoa que, depois de cumprir pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não tem condição de pagar a pena de multa.

Essa conclusão é da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que fez mais um ajuste na tese vinculante sobre o tema. A votação foi por unanimidade, conforme a posição do relator, ministro Rogerio Schietti.

O tema é de grande impacto para a ressocialização das pessoas presas e se insere numa discussão que se arrasta nas cortes superiores brasileiras há pelo menos dez anos.

A extinção da punibilidade marca o momento em que o Estado não pode mais continuar punindo a pessoa que cometeu um crime. Ela se dá, entre outras hipóteses, com a declaração do juiz da execução penal de que a pena foi integralmente cumprida.

Isso vale, inclusive, para a pena de multa. A posição mais recente do STJ sobre o tema é de que o pagamento não pode ser exigido se o apenado comprovar que não tem condições de fazê-lo.

Nesta quarta-feira (28/2), a 3ª Seção avançou para dizer que a autodeclaração de pobreza da pessoa presa é o que basta para fazer essa comprovação. Há uma presunção relativa de veracidade sobre essa declaração.

Isso significa que o Ministério Público e o próprio juiz podem contestar a miserabilidade se identificarem elementos que indiquem que o condenado tem condições de fazer o pagamento da multa.

Em qualquer dos casos, o MP e a Fazenda Nacional continuam autorizados a cobrar a multa. O seu não pagamento apenas deixa de impedir a extinção da punibilidade.

Ressocialização ameaçada

A readequação foi feita pelo STJ a pedido da Defensoria Pública de São Paulo, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico. Para o órgão, não estava dando certo conferir ao condenado a responsabilidade de comprovar que não pode arcar com a pena de multa.

Condicionar a extinção da pena ao pagamento da multa está criando no Brasil um círculo vicioso para os mais pobres, que fatalmente os leva de volta à criminalidade.

Sem a extinção, o apenado não consegue a reabilitação, que nos termos do artigo 93 do Código Penal assegura o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.

E, sem o sigilo, não consegue a certidão negativa de antecedentes criminais, sem a qual a busca por emprego formal fica extremamente prejudicada.

Enquanto não extinta a punibilidade, permanece a suspensão dos direitos políticos. Assim, o condenado não consegue regularizar o título de eleitor. Logo, não pode votar, matricular-se em instituição de ensino público ou exercer cargos públicos concursados.

Se o condenado não tiver CPF, não conseguirá expedir esse documento, devido à ausência do título de eleitor. Por isso, não obterá carteira de trabalho, crédito em instituições bancárias ou acesso a benefícios sociais.

É todo mundo miserável
Todo esse cenário foi levado em consideração pelo ministro Rogerio Schietti, que defendeu a possibilidade da autodeclaração de pobreza porque os dados públicos mostram que a enorme população brasileira se encontra em situação de generalizada hipossuficiência.

Ele ainda chamou a atenção para os paradoxos visíveis no Brasil: o Estado, que não ajuíza execuções fiscais se a dívida for de menos de R$ 20 mil e considera insignificante o descaminho cometido até o mesmo valor, exige ao máximo dos pobres na pena de multa.

“Para o Poder Executivo, melhor será perdoar a dívida pecuniária de quem já cumpriu a integralidade da pena privativa de liberdade e deseja, sem a obrigatoriedade de pagar a pena de multa, reconquistar o patamar civilizatório de que até então era tolhido.”

Ao Ministério Público, caberá fazer a contraprova para afastar a miserabilidade do condenado quando identificar indícios de que ele pode pagar a pena de multa. O juiz também pode fazer isso de ofício, a partir dos dados que tiver em mãos.

“Se não houver essa prova e nada indicar que o condenado está no percentual mínimo de pessoas que cumprem pena e possuem recursos, a autodeclarçaão de pobreza bastará como prova que poderá ser infirmada por uma contraprova”, concluiu o relator.

A tese aprovada foi:

O inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se, diversamente, entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária

Revisão da revisão
Esta é a quarta vez que o STJ ajusta a tese. Inicialmente, a 3ª Seção definiu em 2015 que o réu que cumpre a pena privativa de liberdade tem a extinção da punibilidade decretada mesmo se ainda não pagou a pena de multa.

A posição na época foi de que essa sanção pecuniária, como dívida de valor, poderia ser cobrada pela Fazenda Nacional, mas sem efeitos no campo penal.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal tratou do tema na 12ª Questão de Ordem apresentada na Ação Penal 470, que julgou o caso do mensalão. Pensando nos autores dos crimes de colarinho branco, a conclusão foi outra.

O Plenário do STF fixou que o MP tem legitimidade para cobrar multa em condenações penais, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda. A posição foi a mesma na ADI 3.150, julgada em conjunto na ocasião.

A partir daí, as turmas criminais do STJ fizeram adequação. Ainda assim, os recursos continuaram subindo para julgamento, inclusive com pedidos de modulação da chamada “jurisprudência maléfica”. Isso levou a 3ª Seção a readequar a tese, em dezembro de 2020.

Menos de um ano depois, o colegiado mudou de novo, dessa vez para deixar claro que a multa deve mesmo ser paga, exceto nos casos em que o apenado comprovar sua miserabilidade.

REsp 2.024.901
REsp 2.090.454

Fonte Conjur

Leia mais

DPE e Prefeitura de Manaus firmam acordo para realocar famílias para residenciais do ‘Minha Casa, Minha Vida’

A partir desta quarta-feira (5), DPEIC inicia trabalho para realizar os acordos individuais das mais de 40 famílias de área em risco de desabamento...

Trabalhadores são resgatados em minas subterrâneas de garimpo ilegal no AM

Manaus – Realizada entre os dias 31 de janeiro e 3 de fevereiro, a Operação Mineração Obscura 2 teve como objetivo inutilizar minas subterrâneas de...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

STJ rejeita tese do “racismo reverso” de pessoas negras contra brancas

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (4) que o crime de injúria racial...

STF condena homem que furtou réplica da Constituição em 8 de janeiro

O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou a 17 anos de prisão o homem que furtou uma réplica da Constituição...

Moraes autoriza transferência de kid preto de Brasília para Manaus

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou nesta terça-feira (3) a transferência do tenente-coronel Hélio...

PL concede incentivos fiscais para as famílias que cuidam de idosos em casa

O Projeto de Lei 2871/24 concede incentivos fiscais para as famílias que cuidam de idosos em casa. A proposta,...